Custo de quase R$ 780 milhões: STF volta a discutir responsabilização das redes sociais

Recomeça nesta quarta-feira (04) o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá a responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos publicados por usuários. A sessão foi retomada às 14h (horário de Brasília) com o voto do ministro André Mendonça.

Suspenso desde dezembro por um pedido de vista do próprio Mendonça, o julgamento discute a constitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965, o Marco Civil da Internet.

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Em vigor desde 2014, o artigo determina que provedores de aplicações de internet — como redes sociais — só podem ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdos de terceiros caso não removam as publicações após ordem judicial específica.

Debate-se a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. (Fonte: GettyImages)

Artigo 19 do Marco Civil da Internet é reavaliado

O julgamento analisa dois pontos principais:

A validade da exigência de ordem judicial para responsabilização das plataformas — tema relatado pelo ministro Dias Toffoli;A obrigação (ou não) de que empresas fiscalizem e removam conteúdos ofensivos sem intervenção da Justiça — tema relatado por Luiz Fux.

Quais foram os votos até agora?

Antes da suspensão, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já haviam votado.

Barroso, presidente da corte, defendeu uma responsabilização parcial das plataformas. Para ele, conteúdos envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia devem ser removidos após notificação dos envolvidos, mesmo sem decisão judicial.

Detentores de redes sociais argumentam que monitoramento e remoção prévia de conteúdo configura censura. (Fonte: Camilo Jimenez/Unsplash)

Toffoli adotou uma postura mais rígida, considerando o artigo inconstitucional. Em sua visão, conteúdos ofensivos — como racismo — devem ser retirados logo após notificação extrajudicial, feita pela vítima ou seu advogado.

Fux seguiu linha semelhante, defendendo que o artigo é inconstitucional e listando como passíveis de remoção imediata materiais que contenham discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia a golpes de Estado ou ao fim do regime democrático.

Nada impede que os demais ministros solicitem uma nova vista. Caso isso ocorra, o julgamento será suspenso novamente.

O que dizem as plataformas?

Empresas que operam redes sociais afirmam que a exigência de monitoramento prévio seria equivalente à censura e alegam já remover conteúdos ilegais mediante notificações extrajudiciais. Mas o argumento não cobre todo o cenário.

Na prática, plataformas como Meta e TikTok já adotam filtros automáticos e políticas de moderação para barrar publicações ofensivas. O Instagram, por exemplo, proíbe conteúdos ligados a “Violência e incitação” e “Conduta de ódio”, que podem ser removidos após denúncias.

O TikTok segue diretrizes semelhantes: sua política veta o uso da plataforma por indivíduos ou organizações perigosas, a promoção de crimes, o discurso de ódio e qualquer conteúdo que coloque em risco a segurança de terceiros.

A internet mudou — e a lei precisa acompanhar

A discussão sobre o Artigo 19 evidencia a necessidade de revisar o Marco Civil da Internet à luz da atual dinâmica digital. É o que defende a especialista em Direito Digital e CEO do Peck Advogados, Patrícia Peck.

As principais redes sociais já oferecem mecanismos nativos para remoção de conteúdo considerado ilegal. (Fonte: Dole777/Unsplash)

“Cabe ao Supremo preencher essa lacuna de interpretação no contexto da sociedade atual. Acredito que risco e responsabilidade acompanham a receita. O modelo atual de monetização traz, sim, um dever maior de colaboração e responsabilidade por parte das plataformas. Isso deve ser refletido na interpretação do Artigo 19”, afirmou Peck ao TecMundo.

“É claro que atualizar a legislação traz custos financeiros, mas é preciso considerar também os danos de manter uma lei ultrapassada”, completou.

Uma eventual mudança no artigo também pode impactar o Judiciário. Segundo estimativas do Reglab, instituto especializado em pesquisas regulatórias, caso o artigo seja declarado inconstitucional, a Justiça pode receber uma enxurrada de ações, com um custo estimado de R$ 778 milhões nos próximos cinco anos.