Quem fim levou a Vasp, a tradicional empresa de aviação de São Paulo?

O Brasil tem uma história já rica na aviação, desde o pioneirismo de Santos Dumont e a formação da Embraer até a fundação de companhias aéreas nacionais que se destacam ao longo das décadas. E, entre todos os nomes do setor, a Vasp foi uma das mais conhecidas.

Fundada em São Paulo e aos poucos expandindo para o território nacional, a Vasp virou um dos sinônimos de transporte de passageiros entre as décadas de 1940 e 2000. Porém, a história da companhia é turbulenta e tem viradas bruscas no comando, até chegar no destino final da companhia. A seguir, saiba o que aconteceu com a empresa e as suas aeronaves.

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A fundação da Vasp

A Vasp foi fundada por um grupo de empresários em 4 de novembro de 1933, sendo o nome uma sigla para Viação Aérea São Paulo. Neste período, o Brasil já tinha algumas companhias no ramo, como a Varig (do Rio Grande do Sul), a Panair do Brasil e a Syndicato Condor (ambas do Rio de Janeiro, mas financiadas por capital estrangeiro).

Os primeiros voos da Vasp foram realizados em um Monospar ST-4, uma aeronave com capacidade para apenas três pessoas. O local escolhido inicialmente foi o Campo de Marte, na zona norte da cidade, com viagens para São José do Rio Preto e a mineira Uberaba.

Aos poucos, ela expande a quantidade de rotas nas viagens comerciais e adquire também aviões com capacidades um pouco maiores para transporte de passageiros.

A era estatal

Só que o início da vida da Vasp não foi nada fácil e ela logo passou por uma mudança radical no comando. Em crise financeira, a companhia se torna estatal em março de 1935, passando a ter o controle do próprio governo de São Paulo.

A alteração marcou um período mais estável dessa trajetória, com a chegada de capital para adquirir equipamentos mais modernos e fazer mais voos. Ela ainda foi a primeira a ocupar o recém-inaugurado Aeroporto de Congonhas, que era chamado de “Campo da Vasp” em seus primeiros anos pela quase exclusividade da companhia.

Um dos modelos Vickers Viscount da Vasp. (Imagem: Reprodução/DasArtes)

A empresa ainda inaugurou a popular rota comercial entre São Paulo e Rio de Janeiro em 1936, utilizando o modelo Junkers JU-52/3. Isso revolucionou o transporte entre as cidades, com a viagem levando menos de duas horas — isso contra até 15 horas de trem ou mais de um dia usando os carros da época.

No período, a Vasp tinha o domínio do mercado em São Paulo, mas ainda era uma companhia de menor presença nacional. Alguns movimentos que alteraram esse cenário incluem:

a compra da paranaense Aerolloyd Iguassú (1939), a Aerovias Brasil (1942) e a Lloyd Aéreo (1962), revendendo a segunda dessas empresas meses depois;a renovação da frota após a Segunda Guerra Mundial com a compra de modelos DC-3 já sem utilidade militar e modelos Scandia;colocar para voar em 1958 a primeira aeronave com motores a turbina da aviação comercial brasileira, o Vickers Viscount 827 PP-SRC;Anúncio da Vasp em revista sobre o modelo a jato. (Imagem: Passageiro de Primeira/Reprodução)participar do projeto da Ponte Aérea Rio-São Paulo em 1959, com alta quantidade de voos entre as cidades junto das rivais Varig e Cruzeiro;adquirir modelos a jato BAC 1-11-200 (One Eleven) em 1967, já atrasada em relação às concorrentes, e principalmente dos modernos Boeing 737-200 um ano depois, considerados os modelos de elite da época;

Na década de 1960, a Vasp tinha 25% do mercado nacional de aviação ao ampliar rotas para regiões Norte e Nordeste, mas chegou à liderança do setor em 1975 em número de passageiros transportados.

A crise e os anos privados

Apesar de devidamente modernizada em termos de frota, a Vasp acumulou uma série de problemas na década de 1980, que incluem problemas administrativos e situações que fugiram do controle da companhia.

Em 8 de junho de 1982, ocorre um acidente de um Boeing 727-200 da Vasp na Serra da Aratanha, no Ceará. A batida deixa 137 vítimas entre passageiros e tripulantes e, por décadas, foi o maior desastre aéreo do país;Já em 29 de setembro de 1988 um homem chamado Raimundo Nonato Alves da Conceição sequestra um Boeing 737-300 da Vasp em plena viagem, com o objetivo de atingir o Congresso Nacional. O avião pousou em Goiânia e o sequestrador foi detido após horas de ação policial, com o copiloto Salvador Evangelista sendo a única vítima. O caso virou filme em 2023;A Vasp encarou ainda diversas acusações de corrupção envolvendo a gestão estatal, de contratos suspeitos até a manutenção de funcionários fantasmas, manchando a imagem da marca;A própria situação financeira do Brasil também contribuiu para aumentar a dívida da companhia, que gastou muito comprando as aeronaves modernas;

A empresa até ganha uma nova identidade visual em 1985, que acabou sendo a mais reconhecida pelo público até hoje.

Até que chega o momento de uma mudança já esperada. Com US$ 750 milhões na época em dívidas, a Vasp é privatizada em 1990. O empresário Wagner Canhedo, já com experiência no setor de transportes, vira o maior acionista com 60% da marca por US$ 43,7 milhões e passa a administrar a companhia.

Uma CPI chegou a ser montada para investigar possíveis irregularidades no processo, mas não trouxe resultados. No comando, Canhedo ampliou as rotas internacionais e comprou mais companhias aéreas regionais e aeronaves. Ele ainda criou um serviço de logística e encomendas usando aviões — a VASPEX, que seria rival do SEDEX dos Correios.

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Porém, todas as investidas só pioraram a situação financeira delicada da Vasp, que começou a atrasar salários, reduzir rotas e se tornar inadimplente com fabricantes internacionais, que passaram a aumentar o valor de leasing (aluguel temporário de aeronave para a frota) como garantia.

O que aconteceu com a Vasp?

Mesmo estando afundada em dívidas, a Vasp terminou a década de 1990 com uma alta quantidade de voos nacionais e internacionais. Porém, a situação era cada vez mais insustentável, com a solução sendo cancelar rotas (incluindo todas as estrangeiras) e devolver aeronaves.

Canhedo chegou a ser preso por falta de pagamentos e tentou vender a Vasp sem sucesso. Em 2004, ela perdeu ainda mais aviões quando modelos já defasados tiveram o uso impedido por questões de segurança, além de encarar greves de funcionários.

Aeronaves abandonadas da Vasp após a falência. (Imagem: GettyImages)

No ano seguinte, ela encerra definitivamente os voos domésticos e só em 2008 teve a falência decretada em São Paulo pela primeira vez — o caso se arrastou na Justiça e foi confirmado apenas em 2013. Só dois anos depois os funcionários começam a receber (ainda parcialmente) os pagamentos devidos.

Com o tempo, boa parte da frota da Vasp foi desmontada para venda de peças ou comprada e enviada para exibição diversas cidades do Brasil. Até hoje, a massa falida da empresa busca uma indenização de ao menos R$ 9,5 bilhões pelo período em que foi estatal, o que a obrigava a operar com valores tabelados pelo governo, em um caso que se arrasta há anos nos tribunais.

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