Chefe de narrativa de Clair Obscur: Expedition 33 fala sobre inspirações e futuro do melhor RPG do ano! Veja entrevista

Em um ano repleto de boas surpresas no mundo dos jogos, é inegável que o grande destaque do primeiro semestre de 2025 foi Clair Obscur: Expedition 33. O título de lançamento da Sandfall Interactive, pequeno estúdio francês liderado por desenvolvedores saídos da Ubisoft, pegou o mundo de surpresa por sua fantástica qualidade e rapidamente se tornou não só um favorito ao jogo do ano de 2025, como um dos melhores RPGs feitos na última década. 

Entre os pontos de destaque um que é recorrente em discussões é a fenomenal história e personagens do game. Nós aqui do Voxel tivemos a oportunidade de conversar com uma das maiores responsáveis por isso, Jennifer Svedberg-Yen, lead writer e produtora de localização da Sandfall e perguntamos sobre sua história e bastidores desse marcante título. Você confere mais na nossa entrevista a seguir!

Recepção da comunidade

Uma coisa que ficou nítida logo nos primeiros dias do lançamento de Clair Obscur: Expedition 33 foi a calorosa recepção da comunidade, que abraçou o jogo e o estúdio. Perguntamos para Jennifer como a equipe recebeu tantos elogios para seu primeiro jogo. Segundo a responsável pela narrativa do game, a equipe ficou surpresa com tudo que aconteceu.

JP: “A primeira pergunta que tenho é: Como você e a equipe reagiram à aclamação universal que o jogo recebeu nas últimas duas ou três semanas? Mesmo as pessoas mais otimistas, incluindo eu—que venho aguardando este jogo desde o primeiro trailer—ficaram surpresas com a qualidade.”

Jennifer: “Oh, foi surreal. Acho que ainda lembro de Nicolas, nosso diretor de arte, e eu trocando mensagens, nos perguntando: ‘O que está acontecendo? Isso é real?’ 

Porque realmente superou nossas expectativas em um nível muito além do imaginável. E acho que ficamos extremamente emocionados com o carinho e a forma como os jogadores e a comunidade abraçaram nosso jogo. É realmente avassalador—na melhor maneira possível, mas, ao mesmo tempo, extraordinariamente avassalador. Não esperávamos isso de forma alguma. Acho que já faz um mês, e ainda não conseguimos absorver completamente.”

 

Outra coisa que ficou marcada na internet além da qualidade do jogo foi a equipe da Sandfall, que além de ser relativamente pequena para a realidade atual, contava com membros selecionados das mais diversas formas pela direção do estúdio. A escritora nos contou um pouco sobre suas origens na indústria e como seus trabalhos anteriores podem ter influenciado a história que vemos em Expedition 33.

JP: “Eu gostaria de saber—além da incrível história que a equipe criou—sobre algo que se tornou muito popular na internet: sua trajetória com a Sandfall. Você começou como atriz de voz e, depois, a equipe descobriu você através de alguns testes seus no Reddit. Essa história ganhou bastante destaque online, especialmente nos fóruns do Reddit. Então, se puder compartilhar um pouco sobre isso, seria ótimo.” 

“Eu tenho uma história bem aleatório. Eu comecei minha carreira trabalhando em finanças”

Jennifer: “Oh, eu não sabia disso. Ah, que legal. Na verdade, sim, eu tenho uma história bem aleatória, mas outros membros da equipe também. Vou falar sobre isso daqui a pouco. Mas, pessoalmente, minha jornada foi ainda mais inesperada que isso. Eu comecei minha carreira trabalhando em finanças. 

Eu trabalhava em banco de investimentos, fusões e aquisições, e depois em investimentos de private equity, focando na Ásia. Então, em 2015, decidi sair dessa área porque, primeiro, eu estava esgotado—trabalhava de 80 a 100 horas por semana. E segundo, eu sentia que não estava realmente contribuindo para o mundo e não estava artisticamente realizada.

Depois disso, passei os anos seguintes experimentando várias coisas — tudo o que eu sempre quis fazer, mas nunca tive a oportunidade. Por exemplo, comecei a treinar jiu-jitsu brasileiro e Muay Thai. Também ensinei salsa cubana por um tempo. 

Participei de uma missão de pesquisa humana da NASA, onde fui um astronauta análogo, parte de uma simulação de expedição a um asteroide. Foi uma experiência incrível que realmente ajudou a moldar minha perspectiva sobre como seria uma expedição. Foram apenas quatro de nós dentro de um módulo por dois meses, completamente isolados do mundo. Isso me ajudou muito a entrar no mindset de uma expedição. E é por isso que nossos expedicionários no jogo são, na maioria, cientistas e engenheiros, em vez de guerreiros convencionais. 

 
Então, eu estava fazendo muitas coisas diferentes e, então, veio a COVID. Na época, eu estava na Austrália, em lockdown. Uma das coisas aleatórias que fiz foi responder a uma postagem sobre dublagem no subreddit Record This for Free, publicada por Guillaume. Aquela foi minha primeira e única vez como dublador. Eu não tenho experiência real em dublagem. E só para esclarecer—já me perguntaram isso antes—eu não fiz voz para nenhum dos personagens do jogo. Temos dubladores profissionais de altíssima qualidade para isso, e eles definitivamente não precisam de mim. Mas pensei: ‘Por que não? Parece legal. Nunca fiz isso antes—pode ser divertido.’ Então, enviei uma audição, e Guillaume me respondeu dizendo que eu havia sido escolhido para dois papéis. 

Isso foi para um jogo diferente que ele estava desenvolvendo na época chamado We Lost, ambientado em uma era e história completamente diferentes. Mas mantivemos alguns dos nomes dos expedicionários—então, aquela foi uma versão de Maelle e Lune em We Lost. Eles eram personagens bem diferentes, mas, nesse sentido, eu fui a primeira Maelle e Lune. 
Então, sim, foi assim que nos conhecemos—por meio do Reddit e uma postagem bem aleatória. Aquela foi minha primeira e única experiência com dublagem. Da mesma forma, Nicolas foi descoberto por Guillaume via ArtStation; ele fazia algo não relacionado a jogos e nunca havia trabalhado na indústria. 

Quanto a Lorian, acho que eles se conheceram em um pequeno fórum obscuro, e Lorian compartilhou seu SoundCloud com Guillaume. Então, sim, todos nós nos reunimos de maneiras inesperadas—é quase como um RPG. Guillaume montou sua equipe, encontrando pessoas em lugares improváveis. 

Tom, por exemplo, ele conhecia da Ubisoft—eles trabalharam juntos na Suécia. E ele conhecia François da faculdade. Então, reuniu um grupo de pessoas aleatórias, e juntos construímos essa história.  

Achei tudo isso fascinante—parece algo saído de um filme.”

Os diferentes significados da expedição

Um dos grandes destaques de Clair Obscur, para além de sua maravilhosa gameplay e trilha sonora, reside em sua história e como ela é revelada aos poucos ao jogador, com uma especial atenção para os dois finais que são igualmente devastadores. Nós do Voxel não podíamos deixar de indagar uma das principais responsáveis pelo enigmático enredo de onde vinham suas inspirações e fazer a pergunta que todos querem saber: existe um final correto?

JP: “Você mencionou Guillaume, e uma coisa sobre a qual o vimos falar muito são seus jogos favoritos e inspirações, com algumas pessoas recentemente descobrindo seu antigo canal no YouTube, onde ele compartilhava gameplays e outros conteúdos. 
Gostaria de saber—de onde você tira suas inspirações? Elas vêm de videogames ou de outras formas de mídia?” 
Especificamente porque, para mim, o final do Ato 1 me lembra muito o JRPG Chrono Trigger, onde tiveram a mesma ousadia de remover o protagonista da história.” 

Jennifer: “Eu diria que antes de entrar na Sandfall, eu jogava principalmente jogos de tabuleiro e RPGs de mesa, como Dungeons & Dragons. 

Na verdade, eu não jogava muitos videogames enquanto crescia, porque minha família tinha recursos limitados, e jogos—especialmente consoles—eram caros. Então, eu passava a maior parte do meu tempo na biblioteca, lendo livros, que se tornaram uma grande fonte de inspiração para minha narrativa.

Mais tarde, depois de entrar na Sandfall, percebi: ‘Bom, se eu vou trabalhar em um jogo, preciso jogar. Preciso entender do que se trata.’ Então, comecei a jogar e, agora, tenho que admitir—me tornei um jogador hardcore.

Temos duas TVs e dois PlayStations em casa. Meu marido e eu jogamos lado a lado, às vezes juntos, às vezes separadamente. Tenho muito orgulho disso—sou um Elden Lord três vezes!

Platinei Elden Ring, God of War e God of War: Ragnarok. Estou trabalhando na platina de Civilization VI, mas essa é realmente difícil. Amo Hollow Knight e Zelda: Tears of the Kingdom. Para Tears of the Kingdom, até criei meu próprio troféu de platina, porque o jogo não tem um! Sim, sou um grande nerd.

Também adoro Disco Elysium pela sua narrativa incrível. Inscryption foi fantástico, e Slay the Spire tem sido muito divertido. Então, sim, hoje jogo bastante e adoro isso.

“Em termos de narrativa, minhas principais inspirações vieram de livros e séries de TV.”

Mas, em termos de narrativa, minhas principais inspirações vieram de livros e séries de TV. No lado da literatura, alguns dos meus trabalhos favoritos incluem The Wheel of Time, uma série de 14 livros. Admiro muito sua construção de mundo, mitologia, variedade de personagens e profundidade do universo.

Sou um grande fã das obras de Brandon Sanderson, especialmente The Stormlight Archive. Sua abordagem aos sistemas de magia é brilhante—ele os constrói com uma lógica interna forte, perguntando: ‘Se este é o funcionamento do mundo, quais são as consequências?’ Essa abordagem lógica à construção de universos é algo que aplico na minha própria escrita.

Por exemplo, ao desenvolver a história, mapeei toda a história de Lumiere, cobrindo tudo desde a Fratura até os dias atuais—70 anos de história, ano a ano. Explorei como eram organizados, seus sistemas políticos, como se sustentavam, como a sociedade funcionava, e o surgimento e queda das expedições. Quando começaram? O que aconteceu? 

 

Muitas dessas ideias vieram de pensar nas consequências naturais: Se a Fratura acabasse de ocorrer e sua cidade fosse lançada no meio do oceano, o que você faria? Como as pessoas reagiriam ao ver um monólito gigantesco? Essas são questões que moldaram a história.

Além dos livros, sou fã de Battlestar Galactica. A série faz um trabalho incrível explorando questões filosóficas e apresentando diferentes pontos de vista. 

No começo, parece simples—os Cylons são os inimigos. Mas, conforme a história se desenrola, você começa a simpatizar com eles, entender suas perspectivas e se perguntar: ‘Quem é realmente o inimigo aqui?’ Essa complexidade moral é algo que eu adoro. 

Além disso, a atuação é fenomenal, os personagens são bem desenvolvidos, e a escrita é excelente. Então, sim, essas são algumas das minhas influências!”

JP: “Eu ia fazer essa pergunta mais tarde, mas como você descreveu que escreveu toda a história de Lumiere, acho que agora é o momento perfeito.

Uma coisa que eu particularmente adorei no jogo foi encontrar as anotações das expedições anteriores. Eu realmente gostei delas— para mim pareciam como pequenas jóias escondidas. Normalmente, nos videogames, os colecionáveis oferecem algum tipo de buff ou vantagem. Mas, para aqueles que não jogaram Expedition 33, as notas não oferecem nenhum benefício dentro do jogo—são apenas histórias narradas sobre expedições passadas.

Para mim, isso era ainda melhor e mais satisfatório do que encontrar os Pictos ou as Luminas. Então, queria perguntar—quão difícil foi criar todas elas?”

Jennifer: “Isso foi realmente muito divertido! Guillaume e eu trabalhamos juntos nisso e nos divertimos muito inventando diferentes ideias.

Novamente, tudo girava em torno da lógica—se eu estivesse nessa situação, que táticas eu tentaria? Quais tecnologias existiam em Bellocq, França, na época, que poderíamos ter usado? Esse foi um dos principais aspectos que consideramos, e é por isso que algumas expedições tinham rádios ou carros antigos, coisas assim.

Outro ângulo foi pensar nas criaturas que eles poderiam ter encontrado e nas diferentes formas como poderiam ter morrido. Talvez tenham tentado comer um Nevron e se envenenado. Talvez tenham encontrado os gestrais ou cruzado com Esquié—que, apesar de ter boas intenções, acidentalmente os matou. Foi tudo uma questão de explorar possibilidades.

Também consideramos as tecnologias usadas pela expedição atual que poderiam ter sido influenciadas por expedições anteriores. Por exemplo, os ganchos, as escadas de escalada—quem as instalou e por que elas existem nesse mundo? Fazia sentido que uma expedição anterior as tivesse colocado para preparar o caminho para os que viessem depois.

E claro, tivemos muitas coisas que começaram como piadas internas e simplesmente evoluíram a partir daí. Há vários elementos na história que surgiram como brincadeiras, mas que levamos longe demais—e decidimos manter!

Uma delas é a Expedição 60.

JP: “A favorita dos fãs!” 

Jennifer: Sim! E eles eram movidos pelo puro poder dos músculos! Sim, nos divertimos muito escrevendo essas histórias ao longo dos anos. 

JP: “Voltando à história agora—essa é, na verdade, a pergunta que eu mais queria fazer ao escrever esta entrevista. 
Vimos uma entrevista—acredito que foi com Gene Park do The Washington Post—onde ele mencionou que a história não é sobre luto, e que essa é uma interpretação equivocada. 
Se não me engano, ele disse que trata-se mais da visão dele sobre a conexão entre um artista e sua obra.” 

Jennifer: “Acho que isso foi tirado de contexto”. risos. Ele quis deixar muito claro—’Não foi isso que eu quis dizer!’ Ele já me disse isso antes.”

JP: “Era exatamente o que eu ia dizer—quando se cria uma história tão poderosa como a que você escreveu, há tantas interpretações e significados diferentes. Tudo depende de quem joga.

Para alguns, a conexão entre o artista e sua obra pode parecer o tema central. Mas, para mim, o aspecto do luto não apenas esteve muito presente— como foi excepcionalmente bem trabalhado. 

Novamente, não quero parecer bajulador, mas eu realmente amo a história do jogo. 

Acredito que seja uma das melhores representações do luto na indústria de videogames nos últimos anos.” 

Jennifer: “Muito obrigado, é algo muito gentil de se dizer” 

JP: “Especialmente sobre os dois finais—que vamos discutir mais tarde—a forma como eles se conectam ao tema do luto é excepcionalmente bem trabalhada. 

Qual é a sua percepção sobre os significados da história? Qual deles ressoa mais com você? 

Jennifer: “Bem, há muitas camadas dentro da história. 

Logo no início, Guillaume e eu concordamos que um dos aspectos fundamentais que queríamos estabelecer na narrativa era evitar uma abordagem simplista de ‘bem contra mal’. Em vez disso, queríamos focar em personagens que são falhos, mas reais, autênticos e que se importam profundamente uns com os outros. O conflito não surge porque alguém é mau ou perverso—ele acontece porque existem diferentes perspectivas sobre o que precisa ser feito. 

Acredito que essa seja uma experiência muito universal. Na maioria dos conflitos interpessoais, a outra pessoa não é necessariamente má — trata-se de entender de onde ela vem. 

Relacionado a isso está a questão de como equilibramos o respeito pela autonomia e as escolhas de alguém, enquanto tentamos protegê-los do que consideramos ser um perigo ou uma situação prejudicial. Esse dilema é especialmente comum entre pais e filhos, o que pode ser visto na dinâmica entre Renoir e Maelle—onde ele quer desesperadamente protegê-la. 

O mesmo acontece com sua esposa, Aline. Ele também quer protegê-la, mas, ao fazer isso, nega a ela o direito de tomar suas próprias decisões. Aline acredita que não existe um ‘jeito certo’ de lidar com o luto—que sua forma de enfrentá-lo é tão válida quanto a de Renoir. Isso se relaciona aos finais do jogo, questionando se estamos repetindo os erros do passado ou nos libertando deles. 

Veja Maelle, por exemplo—ela é hipócrita? Essa é uma pergunta que influencia a escolha do jogador: ela deveria ser ou não? 
Todas essas ideias contribuem para os temas mais profundos da história, explorando o dever que temos para conosco e para com os outros.

 

O luto permeia tudo, porque também é uma experiência universal—algo que todos enfrentamos. Tanto Guillaume quanto eu colocamos muito de nossas próprias experiências e emoções na história. 

Para mim, o luto não se trata apenas de perder um ente querido—também envolve perder o futuro que imaginávamos ter. 

Pode significar perder parte da nossa identidade, perceber que algo que acreditávamos sobre nós mesmos não é mais verdade—ou talvez nunca tenha sido. Pode ser perder amizades, ideias, perspectivas e oportunidades. Portas que se fecham antes mesmo de termos a chance de atravessá-las. 

Existem muitas formas de luto, e ele se manifesta de diferentes maneiras—culpa, negação, raiva, entre outras. 

Quando conceituamos o jogo, a pandemia de COVID estava no auge, e vivíamos uma crise existencial repentina e desconhecida. Observamos diferentes reações na humanidade: 

Alguns trabalhavam incansavelmente para encontrar uma cura. 
Alguns ajudavam suas comunidades. 
Alguns estavam aterrorizados. 
Alguns estavam furiosos. 
Alguns se recusaram a acreditar, porque a realidade era dolorosa demais. 

E alguns tomavam atitudes prejudiciais—não porque eram maus, mas porque estavam com medo ou em negação. 

Ao observar isso, incorporamos essas emoções à história. Enquanto isso, o número de mortes ao redor do mundo continuava a subir. Era difícil ler as notícias todos os dias e ver o que estava acontecendo. 

Meu irmão é médico—ele ajudou a administrar uma ala de COVID no hospital, e foi um período incrivelmente difícil para ele e seus colegas. Alguns amigos perderam pais e entes queridos. 

Era um momento onde estávamos se afogando em um mar de luto, cercado por perdas de todos os lados. 

Isso pesou muito sobre mim—sensação de impotência, vontade de lutar sem saber como, raiva, questionamentos, injustiça—tudo isso foi canalizado para a história. 

Além da pandemia, Guillaume e eu também nos inspiramos em nossas vivências pessoais. Eu canalizei muitas das minhas próprias emoções na escrita. 

Há o luto por coisas que um dia acreditamos serem possíveis, mas que não foram. 

Por exemplo, há uma linha no jogo em que Sophie diz que ama tanto seus filhos que a melhor coisa que pode fazer por eles é não tê-los. 

Essa frase vem diretamente da minha vida—algo que sinto pessoalmente. 

Ao observar o mundo hoje, há muitas realidades duras, e muitas vezes me pergunto: este é realmente um mundo no qual quero trazer crianças? 

Esse é apenas um exemplo, mas há muitos outros ao longo da história—refletidos em cada personagem. Cada emoção, cada dilema, nasce de sentimentos reais e experiências autênticas.” 

JP: “E sobre os finais que você mencionou—vi que você respondeu a isso no Instagram, então pensei que talvez pudesse expandir um pouco mais sobre isso. 

Você acha que há um final correto? 

Eu joguei o jogo para análise, então fui o revisor. E por um minuto inteiro, não fazia ideia de qual escolha tomar, porque na época eu não sabia que podia voltar e assistir aos dois finais. Como eu estava analisando o jogo, não havia nenhum gameplay no YouTube para eu consultar. Eu realmente não sabia qual escolher. 

No fim, escolhi um—porque, e podemos falar mais sobre isso depois, se houver tempo—eu amava tanto os personagens. 
Eu sabia no fundo que era a escolha errada. Mas simplesmente não consegui acabar com eles.” 
Jennifer: “Não existe um final errado!” 

JP: “Sim! E eu finalmente vi o final. Foi tão triste, então voltei e assisti à versão do Verso. Chorei porque foi tão bonito—toda a cena do funeral, a aceitação  e a família lentamente se unindo e crescendo em torno do luto e da perda do Verso. E para você, como já mencionou, não há escolha correta, mas qual você escolheria se estivesse jogando? 

Jennifer: “Sim, recebo essa pergunta com frequência, o que é compreensível. Para mim, é como perguntar qual é o seu filho favorito, e ambos são muito significativos para mim. Eu gosto de diferentes aspectos de cada um. 
Então, amo cada um deles de maneiras diferentes, o que sei que não é uma resposta muito satisfatória, mas é verdade. Eu não consigo escolher porque quero uma parte, mas também quero outra, e é como—ah!—isso parece certo, mas isso também parece certo. No entanto, isso parece errado, e aquilo também. Não há um final correto ou incorreto, nem um final oficial—isso foi intencional. 

Desde o início, Guillaume e eu sempre dissemos que não queríamos que nosso jogo definisse o que é certo ou errado, ou que transmitisse uma única mensagem. Queríamos levantar muitas perguntas, deixando as respostas para os jogadores decidirem e interpretarem. Nosso objetivo é que os jogadores embarquem nessa jornada com nossos personagens, vivenciem esse mundo e compreendam as diferentes perspectivas de cada um. Dessa forma, eles entendem por que Renoir está fazendo o que está fazendo. 

Eles compreendem Aline, Verso e Maelle—todos os personagens. Assim que os jogadores entendem essas perspectivas, eles podem refletir sobre seus próprios valores, decidir o que é importante para eles e interpretar a história com base nisso. Talvez cheguem a uma conclusão sobre a escolha correta ou incorreta, ou talvez sintam que não há uma. 

Como já mencionei antes, para algumas pessoas, a escolha é óbvia e fácil. Para outras, é incrivelmente difícil—e ambas as perspectivas são válidas. Todos nós somos moldados por nossas experiências de vida, e essas experiências influenciam aquilo que consideramos importante. 

Algo que é uma escolha fácil para uma pessoa pode não ser tão fácil para outra que passou por experiências diferentes. Por outro lado, às vezes, ter vivido algo pode tornar uma escolha simples. Então, não há uma resposta definitiva de certo ou errado, e nosso objetivo é garantir que o jogador tenha controle sobre essa decisão.

Elenco de peso

Seria impossível falar de Clair Obscur sem citar o maravilhoso trabalho dos elencos de atores e intérpretes do título. Perguntamos então para Jennifer como foi ver seu trabalho tomar vida nas mãos desse incrível time.

JP: “Além da história—que eu acho que já elogiei bastante até agora— há outro aspecto que, para mim, é fundamental para o sucesso de um RPG: os personagens. 

Além da história e do próprio mundo—que são incríveis—os personagens parecem tão reais. Especificamente, quando você avança pelo segundo ato e começa a conhecer melhor o passado deles e ter conversas mais profundas, eles realmente ganham vida. Não quero perguntar sobre a criação deles, já que isso está naturalmente ligado à história, mas adoraria saber como foi vê-los interpretados por atores tão talentosos. 

Temos Ben Starr e Jennifer English dos videogames e, depois, temos Renoir, que está em um nível completamente diferente. 

Jennifer: “E tantos talentos novos me surpreenderam —como Kirsty. Kirsty, como novata, foi simplesmente incrível. Foi uma experiência muito emocionante durante as gravações, porque Guillaume e eu estávamos no estúdio de gravação. Houve momentos em que ficamos emocionados no estande, assistindo à reprodução das cenas. Você meio que esquece onde está—fica imerso no momento, e é quase como uma experiência fora do corpo. Esses atores incrivelmente talentosos dão vida aos personagens.

Além disso, tivemos uma equipe de MoCap incrível, e a atuação de captura de movimento foi realmente excepcional. Ver tudo se tomar forma me deu arrepios, e fiquei muito emocionada. Houve momentos em que todos na sala estavam com lágrimas nos olhos, se emocionando, até chorando—especialmente quando filmamos os finais. Não havia um olho seco na sala. 

Eu lembro de estar nervoso na época, pensando: “Ah não, este é o nosso primeiro jogo. Guillaume e eu nunca escrevemos um jogo antes, nunca montamos algo assim. O que escrevemos é bom o suficiente para Andy Serkis? Para Charlie Cox? É bom o suficiente para Jen e Ben?” Eu temia que eles lessem e pensassem: “O que é isso? O que eu tenho que interpretar?” 

Tive momentos de dúvida, pensando: “Isso é bom o suficiente para eles?” Mas conhecê-los pessoalmente foi incrível. Eles são, sinceramente, algumas das pessoas mais gentis que já conheci—tão humildes e incrivelmente talentosos. Ver como trabalham foi um privilégio porque são verdadeiros profissionais. Eles são tão bons no que fazem que muitas vezes acertam já na primeira ou segunda tomada. 

Eu adorei assistir Jennifer English trabalhar. Ela pode estar atuando em uma cena extremamente emocional—chorando, completamente envolvida no momento—e, assim que a cena termina, ela simplesmente diz “Ok, beleza” e toma um gole de água.  

Eu fiquei impressionado. Como ela transita tão rapidamente entre emoções intensas? Foi incrível. 

Todos os atores trouxeram muita nuance às suas performances, o que foi essencial para a nossa história. A maneira como escrevemos dependia muito do subtexto—não queríamos dar explicações demais ou levar o jogador pela mão. Muitos dos personagens experimentam emoções complexas, às vezes escondendo coisas uns dos outros ou até de si mesmos. Os atores conseguiram transmitir isso de forma brilhante. 

Também preciso destacar nosso incrível elenco francês, que nem sempre recebe a atenção que merece. Eles foram incríveis. Adeline Chetail, que é uma verdadeira lenda da dublagem francesa, foi fantástica como Maelle. Tanto ela quanto Jen me fizeram chorar diversas vezes—eu estava na cabine, assistindo suas performances, completamente emocionado. Elas realmente fazem você sentir tudo. 

Também tivemos o brilhante Féodor Atkine, outra lenda da dublagem francesa. Ele foi a voz de Jafar em Aladdin, a voz de House em House, e marcou a infância de muitos na França. Foi um Renoir excepcional. E há também Alexandre Gillet, que tem uma versatilidade incrível—ele é a voz francesa de Sonic, Frodo e Capitão América. Sua capacidade de adaptação é impressionante. 

Além desses ícones, tivemos muitos atores promissores e profissionais experientes que talvez não sejam nomes amplamente conhecidos, mas que são incrivelmente talentosos. Eles trouxeram tanta profundidade e autenticidade às suas performances. Acho que tivemos muita sorte de contar com um elenco tão fenomenal.”

Jogo do ano e o futuro de Expedition 33

Logo que GTA VI foi adiado a internet entrou em alvoroço com a possibilidade, que com o título da Rockstar sendo lançado em 2025 parecia impossível, de Expedition 33 conquistar o prêmio de jogo do ano no The Game Awards. Além disso todo esse sucesso também levanta a pergunta: “e o que vem a seguir?”. Vejamos que o Jennifer nos contou sobre essas duas possibilidades

JP: “Ok, agora que GTA 6 foi adiado para o próximo ano… 

Como você e a equipe estão se sentindo sobre o Jogo do Ano deste ano? Essa é a grande pergunta que todos queremos saber.  

Claro, se Geoff Keighley estiver assistindo, nós, do Voxel, não podemos revelar nossos votos oficiais—mas eu posso! E vou votar em Claire Obscur em todas as categorias que eu puder, certo? Já estou abrindo essa discussão com a equipe do site! 

Então, como você e a equipe estão se sentindo? Estão confiantes? Têm alguma expectativa?” 

Jennifer: “Risos…  

Bem, antes de tudo, muito obrigado! Também quero expressar minha gratidão a todos os nossos fãs no Brasil—tem sido absolutamente incrível ver o apoio que recebemos. Um dia, de repente, minha conta do Instagram foi inundada com fãs brasileiros—milhares de novos seguidores de uma só vez—e eu pensei: “Meu Deus, o que está acontecendo?” 

Foi surpreendente, e eu realmente aprecio muito isso. Foi maravilhoso trocar mensagens com tantos fãs brasileiros. Então, antes de tudo, obrigado! Nunca esperávamos nada disso—nem as conversas sobre prêmios, nem as avaliações, nem a recepção da base de fãs. 

Foi avassalador. Eu só posso falar por mim—não quero falar pela equipe—mas, pessoalmente, eu ficaria absolutamente encantado só de ser indicado. 

Ser indicado já seria uma honra, e é assim que eu me sinto. Eu não tenho expectativas—nenhuma expectativa—porque olho ao redor e vejo tantos jogos incríveis lançados este ano, além de muitos outros fantásticos que ainda estão por vir. Dá para ver o quanto suas equipes se dedicaram e colocaram paixão em seus projetos. 

Há muitos jogos excepcionais chegando, então eu realmente não tenho expectativas. Para mim, na verdade, o que tem sido mais incrível são as mensagens dos fãs. De certa forma, elas significam ainda mais para mim—não me entendam mal, os prêmios são incríveis. Nos deem prêmios! Risos. Eu adoraria! Se ganhássemos Melhor Narrativa, seria algo que me deixaria completamente atônito. 

JP: “Gostaria de agradecer por tirar um tempo para responder a essas perguntas. Sou um grande fã do jogo, então foi um prazer conduzir esta entrevista. 

Espero que você e a equipe tenham um ano incrível pela frente, trabalhando nesses futuros projetos—projetos sobre os quais não sabemos nada e, claro, não podemos saber nada. 

E boa sorte na corrida pelo Jogo do Ano! Sei que vocês não estão focados nisso, mas certamente serão indicados em algumas categorias. Desejo o melhor para vocês!” 

Jennifer: “Melhor Trilha Sonora!  Eu sinto que se não formos indicados, ficaria muito chateada porque Lorian fez um trabalho incrível. 

Muito obrigado por me convidar para esta entrevista e por me dar a oportunidade de me conectar com nossos fãs brasileiros. 

Eu realmente aprecio isso. Obrigado por todo o apoio e pelas palavras gentis sobre nosso jogo. Foi maravilhoso conversar com você. 

Obrigado!