Censura de jogos adultos no PC: Entenda polêmica envolvendo Steam, Visa e PayPal

Na última semana, a Steam e o Itch.io se viram no centro de uma polêmica global envolvendo a censura de jogos adultos. As duas plataformas foram pressionadas por gigantes do setor financeiro — como Visa, Mastercard, PayPal e Stripe — a alterar suas diretrizes e remover conteúdos considerados “NSFW” (not safe for work). 

O motivo para essa mudança brusca? Uma campanha organizada por grupos conservadores que pedem a exclusão de títulos com temáticas sexuais, especialmente os que envolvem violência, fetiches e representações LGBTQIAPN+.

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A decisão repercutiu imediatamente entre os jogadores, que iniciaram uma mobilização digital contra as empresas de cartão de crédito. Nas redes sociais, usuários organizam e compartilham roteiros para entupir os canais de atendimento dessas companhias com ligações e e-mails — numa tentativa de levar a pressão até os executivos das instituições.

Good morning. Did you call your local censorious payment processor and let them know you’re upset with their bullying of Steam and itchio? No time better than the present

yellat.money

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— Ana Valens | 🔞 (@acvalens.net) 25 de julho de 2025 às 10:05

Mas como tudo isso começou? E o que podemos esperar do futuro das lojas? Afinal, a Steam vai banir jogos adultos para sempre? Confira mais detalhes sobre toda a situação e o que esperar do futuro dessa polêmica, bem como uma linha do tempo com os principais acontecimentos:

Linha do tempo da polêmica

Abril de 2025 — O grupo Collective Shout pressiona pela remoção do jogo No Mercy por “conteúdo abusivo”.14 de julho — Grupo envia carta aberta à Visa, Mastercard e outras, pedindo que deixem de apoiar plataformas com conteúdo sexual violento.16 de julho — Valve altera as regras da Steam, incluindo cláusulas de conformidade com processadoras.18 de julho — Valve confirma à imprensa que está “aposentando” jogos adultos por novas diretrizes.21 de julho — Itch.io remove jogos NSFW da busca e inicia auditoria interna.23 a 26 de julho — Comunidade gamer lança campanha de protesto contra Visa, Mastercard e PayPal.27 de julho — Petição no Change.org ultrapassa 150 mil assinaturas, com apoio de devs e até Elon Musk.

Como tudo começou?

O estopim para esse movimento teria sido uma carta aberta da Collective Shout, uma organização australiana conhecida por campanhas contra sexualização feminina na mídia e na publicidade. No documento, enviado em 14 de julho, o grupo acusava Steam e Itch.io de hospedarem jogos com temáticas como estupro, incesto e violência sexual.

A iniciativa pressionava diretamente as empresas de pagamento a deixarem de fornecer serviços a essas plataformas. A resposta veio de forma rápida — e atingiu não apenas os conteúdos mencionados, mas toda a categoria de jogos +18, incluindo títulos LGBTQIAPN+ e obras com teor de expressão sexual consensual.

“Remover conteúdos sexuais nunca para por aí. Sempre acaba incluindo coisas não sexuais também. Por isso, proteger a liberdade de expressão sexual é vital para proteger meu direito de existir”, escreveu um usuário LGBTQIA+ na petição online, que já ultrapassou 147 mil assinaturas.

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A pressão parece ter dado certo: além das ferramentas de pagamento terem acatado a regra, até mesmo uma reportagem envolvendo o caso foi derrubada. Uma jornalista da Vice denunciou o caso no veículo, mas teve o material retirado do ar enquanto as lojas de PC já estava agindo para seguir a nova diretriz.

Steam e Itch.io recuam e adotam regras mais rígidas

Em 16 de julho, a Valve atualizou discretamente as regras da Steam para incluir um novo critério: jogos que violem os padrões estabelecidos pelos processadores de pagamento. A empresa confirmou ao site PC Gamer que estava “aposentando” diversos jogos da loja, embora não tenha especificado quais ou por quê.

No mesmo período, o Itch.io também desindexou todos os jogos classificados como NSFW, removendo-os dos mecanismos de busca enquanto realiza uma auditoria para atender às exigências das instituições financeiras. A plataforma reconheceu que agiu de forma abrupta, mas justificou a ação como necessária para “proteger sua infraestrutura de pagamentos”.

Segundo o boletim Game File, mais de 20 mil jogos adultos foram removidos ou escondidos da categoria NSFW no Itch.io desde o início da crise. Em nota, a empresa admitiu que a decisão foi tomada de forma urgente para evitar o bloqueio de pagamentos em toda a plataforma, comprometendo o funcionamento do serviço.

“Essa situação se desenvolveu rapidamente, e tivemos que agir com urgência para proteger a infraestrutura de pagamentos do site”, explicou a empresa. O movimento foi tão abrupto que criadores não tiveram aviso prévio, e alguns usuários relataram não conseguir acessar jogos que já haviam comprado — algo negado pela empresa.

A Valve, responsável pela Steam, também foi notificada de que “certos jogos violavam os padrões e regras de redes de cartões e bancos parceiros”, levando a remoções silenciosas de títulos adultos da loja digital. Estima-se que centenas de jogos tenham sido afetados na plataforma, que é líder em jogadores no PC.

Jogadores entram em ação

A resposta da comunidade foi imediata. Jogadores passaram a compartilhar os números de atendimento ao cliente de empresas como Visa e Mastercard, com instruções para “ocupar as linhas” e chamar atenção dos executivos.

Além disso, uma petição online foi lançada em 17 de julho já acumula mais de 150 mil assinaturas. O texto critica o que chama de “policiamento moral sobre entretenimento legal” e exige o direito de “escolher as histórias que consumimos”. O bilionário Elon Musk também comentou o caso, parabenizando a iniciativa da petição, pegando carona na polêmica e afirmando que pretende lançar seu próprio sistema de pagamentos no X (antigo Twitter).

Isso ameaça a democracia, diz Yoko Taro

Além de enfurecer jogadores, a situação também ganhou a atenção dos desenvolvedores. O criador de Nier, Yoko Taro, se pronunciou sobre o tema, alertando para os riscos da censura financeira.

“É perigoso que processadores de pagamento possam decidir, por conta própria, o que pode ou não ser vendido. Isso ultrapassa o campo dos jogos e atinge a liberdade de expressão em escala internacional”, escreveu em seu perfil, conforme traduzido pelo site Automaton.

“Isso é uma falha de segurança que ameaça a democracia”, diz Yoko Taro.

Para Taro, a atuação de empresas como Visa, Mastercard e PayPal tem implicações que vão além do comércio: “Controlar processadores de pagamento é uma maneira de censurar até a liberdade de outro país. Isso é uma falha de segurança que ameaça a democracia”.

Associação de desenvolvedores se diz preocupada com a situação

A Associação Internacional de Desenvolvedores de Jogos (IGDA) também se manifestou contra as medidas adotadas por Steam e Itch.io, classificando a situação como “alarmante”. Em comunicado oficial, a entidade pediu mais transparência e justiça na forma como jogos adultos são moderados e removidos das plataformas. 

Para a IGDA, as ações recentes vêm afetando de forma desproporcional desenvolvedores que criam conteúdo legal, consensual e ético — especialmente aqueles pertencentes a comunidades marginalizadas. A organização reconhece que é comum haver regras contra conteúdos como incesto ou atos não consensuais, mas critica a aplicação dessas políticas de forma vaga e arbitrária. 

Segundo o comunicado, jogos com narrativas queer, positivas sobre fetiches ou com foco em romance adulto têm sido alvo de censura indireta, muitas vezes sem qualquer aviso ou explicação. A IGDA alerta ainda que a pressão de empresas como Visa e Mastercard está permitindo que instituições financeiras decidam, sem transparência ou prestação de contas, quais histórias podem ser contadas e comercializadas nos videogames.

Empresas de pagamento negam censura

Apesar da pressão documentada, as instituições de pagamento estão tentando se afastar do caso e se defender das acusações. A Visa lançou um comunicado sobre o assunto afirmando que não julgam moralmente conteúdos legais nem têm acesso ao que é vendido nas transações.

“Se uma transação for legal, nossa política é processá-la. Não fazemos julgamentos morais sobre compras legais feitas por consumidores. A Visa não modera o conteúdo vendido por comerciantes”, diz um e-mail padrão enviado a consumidores que reclamaram da situação.

Ainda assim, as empresas exigem salvaguardas adicionais quando há “risco elevado de ilegalidade”, como em conteúdos sensíveis. Na prática, isso coloca uma pressão indireta sobre plataformas, que muitas vezes preferem remover jogos inteiros a arriscar o bloqueio de todos os pagamentos.

O que esperar daqui pra frente?

Em resposta à repercussão, a Itch.io afirmou que pretende revisar os jogos NSFW individualmente, e reabilitar conteúdos que estejam em conformidade com os requisitos dos processadores de pagamento. Ainda assim, o estrago já está feito: além de jogos deletados, criadores estão inseguros sobre o que poderão ou não publicar daqui em diante.

O mesmo também vale para a Steam, que é a principal plataforma de games para PC, mas também cedeu à pressão do movimento. Como as novas diretrizes da loja são bem abertas, é difícil prever quais jogos podem ser banidos ou barrados pela companhia.

A Collective Shout, por sua vez, negou que tenha pedido a remoção total de conteúdos adultos, alegando que o objetivo era a retirada de jogos específicos com violência sexualizada. No entanto, para muitos usuários, a ação abriu um precedente perigoso de censura financeira.

Enquanto isso, a campanha de jogadores contra Visa e Mastercard continua ativa, com protestos organizados em fóruns como Reddit e Bluesky. Alguns usuários defendem táticas como múltiplas ligações para os SACs das empresas, enquanto outros pedem que o movimento se mantenha cordial, lembrando que operadores de atendimento não têm poder de decisão.

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É interessante notar que todo esse movimento também ocorreu na mesma época em que o Reino Unido aprovou medidas para verificação de idade em sites com conteúdo adulto. Ou seja, tudo pode ser uma tendência que se torne cada vez mais comum no mundo online.

Qual sua opinião sobre as novas diretrizes sobre jogos adultos nas plataformas? É, de fato, uma “censura” como parte dos jogadores estão tratando? Comente sua opinião nas redes sociais do Voxel!