O fenômeno zero click e a nova realidade dos publishers

Imagine procurar “como a alta da Selic afeta o financiamento imobiliário” no Google e receber a análise completa diretamente na página de resultados, sem precisar clicar em nenhum site. Essa é a essência do fenômeno zero-click, onde as IAs generativas estão transformando buscas em conversas e respostas em destinos finais.

Os dados oficiais da Similarweb revelam uma realidade complexa no mercado brasileiro de mídia digital comparando as médias do primeiro semestre de 2023 com o primeiro semestre de 2025. Enquanto 69% dos publishers experimentaram crescimento, os gigantes tradicionais enfrentam uma erosão silenciosa de audiência que expõe a fragilidade de depender exclusivamente do tráfego orgânico.

A anatomia da disrupção

Os números que contam a história

O mercado brasileiro de news e media manteve relativa estabilidade com um leve declínio de 1,8% no tráfego total, mas essa média esconde movimentações na distribuição de audiência:

Gigantes Nacionais (32M a 764M visitas mensais)

Representam apenas 11% dos players, mas concentram 60% do tráfego total50% crescem, 50% declinam;UOL sofre a maior perda, −26,5% em monthly visits, sinalizando migração de audiência para fontes mais especializadas;CNN Brasil cresceu +125% em visitantes únicos. Não apenas cresceu, mas redefiniu sua escala de patamar nesse período.

Grandes Players (17M a 31M visitas mensais)

67% em crescimento, mostrando maior resiliência que os gigantes;Beneficiários da fragmentação do mercado;Posicionamento intermediário oferece maior agilidade estratégica.

Players Regionais (7M a 15M visitas mensais)

Crescimento marginal de 0,8% em monthly visits, mas +25,3% em unique visitors;Indicador de engajamento mais profundo com audiências específicas;Equilíbrio entre crescimento e declínio (48% vs. 52%).

Nicho e Emergentes (até 7M visitas mensais)

100% em crescimento com impressionantes +61,7% em monthly visits;Crescimento de +80,6% em unique visitors demonstra expansão real de base;Maior beneficiário da cauda longa da atenção digital.

O efeito cauda longa da atenção

Quanto menor o publisher, maior o crescimento percentual. Embora esse efeito seja estatisticamente esperado (é mais fácil crescer sobre uma base pequena), a análise do crescimento nominal revela uma dinâmica mais interessante.

Gigantes Nacionais, apesar de crescimento percentual modesto (+6,3%), capturaram 46,7% de todo o crescimento nominal do mercado (+90,4M monthly visits totais). Cada um adicionou em média 9M visitas mensais.

Nicho e Emergentes, com impressionantes +61,7% de crescimento, representaram 36,4% do crescimento nominal (+70,5M monthly visits), com cada publisher adicionando em média 1,6M visitas mensais.

Isso sugere que a IA não está apenas mudando como as pessoas buscam informação, mas estimulando uma distribuição bimodal: grandes audiências se concentram nos gigantes, enquanto nichos especializados florescem na cauda longa.

Três forças em movimento

1. Dispersão da audiência

A IA já entrega respostas prontas para grandes temas cobertos por múltiplos publishers, o que chamei de “novo pacto faustiano” no artigo “O browser da OpenAI e o fim da Internet como a conhecemos” (17/07/2025). Esse efeito zero-click impacta desproporcionalmente os grandes publishers que competem em temas commoditizados.

Paradoxalmente, para sites de nicho a cauda longa de conteúdo especializado ainda não está completamente indexada em formato de perguntas e respostas pelas IAs. Isso cria uma janela de oportunidade temporária onde discovery via IA pode gerar tráfego qualificado para conteúdo altamente específico.

2. Valor da conexão direta

Em um cenário onde algoritmos intermediam cada vez mais a descoberta de conteúdo, publishers que cultivam relacionamento direto com suas audiências criam um ativo valioso. Usuários que escolhem acessar um site diretamente (digitando URL, bookmarks, apps próprios) representam engajamento genuíno, não dependente de intermediários.

Terra.com.br (+28% em visits) e metropoles.com (+45,3% em visits) exemplificam publishers em crescimento, embora os dados da Similarweb não especifiquem se esse crescimento deriva de tráfego direto, SEO, ou outras estratégias de aquisição.

3. Redefinição do discovery

Algoritmos de IA transformam como conteúdo é descoberto, priorizando relevância semântica sobre métricas tradicionais de SEO. Sites menores com conteúdo altamente específico ganham visibilidade que seria impossível no modelo anterior de indexação baseado em autoridade de domínio.

Plataformas de IA como novo intermediário

O crescimento explosivo das plataformas de IA

Os dados da Similarweb revelam a escala dessa mudança: as principais plataformas de IA acumulam 345 milhões de visitas mensais no Brasil. Para contextualizar, isso representa mais tráfego que os top 5 publishers de news e media somados, formando um ecossistema digital completamente novo que emergiu em menos de três anos.

Essa ascensão não é uniforme. As plataformas formam uma hierarquia clara que determina sua influência sobre a descoberta de conteúdo:

O Hegemônico (ChatGPT): domina com 288 milhões de visitas mensais (83,5% do total). Crescimento de mais de 110.000x desde o lançamento. Representa o “Google da era IA”. Sua escala massiva o torna inevitável para qualquer estratégia de conteúdo.

O Consolidado (Gemini): 45 milhões de visitas mensais (13,1%), integrado ao ecossistema Google. Crescimento astronômico de 1.780.000x. Beneficia-se da distribuição via Search e Android, e vem imprimindo uma velocidade de crescimento impressionante.

Os Emergentes (Grok, Copilot, Perplexity): juntos somam 12 milhões de visits mensais (3,4%). Crescimentos na casa dos 23.000x indicam adoção acelerada, mas ainda limitada. Conectados a ecossistemas poderosos (X, Microsoft), podem ganhar relevância rapidamente através de integração. O Perplexity, por não estar atrelado a uma grande bigtech, não à toa, fez uma proposta hostil para comprar o Google Chrome por um valor acima do seu próprio valor, sinalizando urgência estratégica para controlar o meio de troca do discovery.

Fonte: SimilarWeb

O perfil demográfico da mudança

A análise demográfica dos usuários de IA revela um padrão geracional claro que explica parte da redistribuição observada nos publishers:

Dominância de jovens adultos: 58,8% dos usuários têm entre 18-34 anos, justamente a faixa etária que mais abandona consumo passivo de mídia tradicional. Esse grupo representa o futuro do consumo de informação e segue migrando para um modelo conversacional.

Equilíbrio de gênero: Com 57,8% de usuários masculinos, as plataformas de IA mostram distribuição mais equilibrada que redes sociais tradicionais, indicando adoção mainstream, não apenas early adopters técnicos.

Baixa penetração em 55+: Apenas 11,2% dos usuários têm mais de 55 anos, sugerindo que publishers dependentes de audiências seniores ainda têm tempo para adaptação antes que essa migração os impacte massivamente.

O paradoxo do valor compartilhado

Enquanto as plataformas de IA capturam 345 milhões de visitas mensais, retornam apenas 19,2 milhões dessas visitas para os publishers de news e media, uma taxa de retorno de 5,6%. Isso significa que 94,4% do tráfego fica retido nas próprias plataformas, evidenciando a magnitude do fenômeno zero-click.

A distribuição desse tráfego referenciado revela a hierarquia de influência:

ChatGPT domina o referral com 86,5% do tráfego direcionado (16,6M visitas), reforçando sua posição como fonte primária inevitável. Perplexity responde por 12,2% (2,3M visitas), validando seu posicionamento como especialista em citações jornalísticas. Gemini e demais somam apenas 1,3% (250K visitas), apesar de seus volumes internos significativos.

Os principais beneficiários do tráfego de IA são previsíveis. Globo.com recebe 3,5M visitas mensais, UOL 1,8M, e CNN Brasil 652 mil. Interessante notar que alguns publishers que cresceram nos dados gerais (Terra, Metrópoles) também aparecem entre os top recipients de tráfego de IA, sugerindo possível correlação entre estratégia de otimização para IAs e crescimento geral.

O paradoxo estratégico é claro: as IAs se tornaram intermediários obrigatórios, mas ainda retêm 94,4% da atenção que capturam. Para publishers isso cria uma dependência assimétrica, onde precisam otimizar para plataformas que retornam apenas uma fração do valor que extraem.

Fonte: SimilarWeb

Implicações para diferentes gerações de publishers

Publishers com audiência jovem (18-34 anos) já sentem o impacto total. Seus usuários naturais migraram para IAs como primeira fonte de informação. Isso explica parte do declínio observado em players que não conseguiram se adaptar ainda.

Publishers generalistas tradicionais enfrentam substituição direta. Perguntas como “o que aconteceu hoje no Brasil” são respondidas pelas IAs sem necessidade de visita. A notícia factual e do cotidiano, disponível gratuitamente por todos os publishers, é cada vez mais commodity.

Publishers especializados se beneficiam temporariamente. IAs ainda direcionam usuários para fontes específicas quando o conhecimento está na cauda longa. Mas essa janela se fecha conforme modelos incorporam mais conteúdo especializado.

A questão estratégica fundamental é temporal.

Quanto tempo cada publisher tem antes que sua proposta de valor seja absorvida pelos modelos generativos?

Frameworks para navegação

Para publishers estabelecidos

Diversificar pontos de contato: é preciso estar em todos os lugares onde o consumidor de conteúdo está e falar na sua língua e formato mais conveniente para cada canal. É preciso ser fluente na língua das 5 gerações;Fortalecer a credibilidade da marca: toda marca tem um posicionamento claro, no tom editorial, na linguagem, no formato. O modelo de audiência de aluguel vem perdendo relevância;E-E-A-T é o novo “All you can eat”: falar de tudo para todos está perdendo relevância para Experiência, Especialização, Autoridade e Confiabilidade em tópicos específicos. Autoridade em nichos específicos supera autoridade geral quando algoritmos de IA e o próprio bom e velho SEO intermediam o discovery.

Para players emergentes

Aproveitar nichos específicos: aqui também vale o E-E-A-T, entender as perguntas que são feitas e cobrir o tema com credibilidade;Otimizar para conversas: estruturar conteúdo para queries conversacionais;Construir relacionamento direto: criar recorrência através de ferramentas, como newsletters.

Sinais de mudança estrutural

Os 44 publishers do cluster “Nicho e Emergentes” com 100% de crescimento não representam anomalia estatística. São evidência de uma redistribuição estrutural da atenção digital, onde:

Especificidade vence generalismo;Conversa supera consulta;Autoridade contextual substitui autoridade institucional.

Olhando para frente

O fenômeno zero-click não é temporário. Com 19,2 milhões de visitas mensais já fluindo das IAs para news e media, estamos observando o surgimento de uma nova geografia da jornada de busca e consumo de conteúdo, onde intermediários inteligentes conectam necessidades específicas a fontes relevantes, independentemente de hierarquias tradicionais de mídia.

O perfil demográfico dos usuários de IA – 58,8% entre 18-34 anos – indica que a próxima geração de consumidores de informação já adotou um modelo conversacional de discovery. Publishers que compreenderem essa mudança e adaptarem suas estratégias para um mundo onde descoberta ≠ visita terão vantagem competitiva sustentável.

Aqueles que insistirem em otimizar para um modelo de distribuição que já não existe podem seguir sendo minados até se tornarem irrelevantes. A janela de adaptação está se fechando na velocidade da adoção geracional.

Não sabe por onde começar? Deixo aqui um ponto de partida.

To the field

Sugestões práticas

A análise dos dados revela que diferentes clusters de publishers enfrentam desafios distintos no novo ecossistema de IA. Essas sugestões são genéricas e baseadas na leitura dos números sem contexto mais profundo de cada publisher. Devem ser lidas como boas práticas e possíveis caminhos, mas que precisam ser adaptadas para a realidade de cada publisher.

Gigantes nacionais – blindagem defensiva

Monitorar menções automáticas: usar ferramentas como Muck Rack e Generative Pulse para verificar citações e links de atribuição em respostas de IA;Permitir rastreamento seletivo: configurar robots.txt para permitir GPTBot, CCBot e Google-Extended sem obstruir indexação;Implementar dados estruturados avançados: NewsArticle, FAQPage e BreadcrumbList com metadados ricos (author, datePublished, headline);Explorar parcerias de licenciamento: fornecer APIs ou feeds autorizados para elevar visibilidade mantendo controle editorial.

Grandes players – aceleração estratégica

Otimizar para Answer Engine Optimization (AEO): implementar schema.org estruturado focando em FAQ e Article markup;Posicionar-se como fonte especializada: criar conteúdo evergreen que IAs citem como autoridade em nichos específicos;Integrar com Google Discover: aproveitar distribuição algorítmica para amplificar alcance orgânico;
Testar atribuição sistemática: monitorar presença no Gemini e ChatGPT para ajustar estratégia de conteúdo.

Players regionais – reconexão estratégica

Reformular arquitetura editorial: reduzir dependência de homepage, criar pontos de entrada múltiplos;Capacitar produção não-substituível: desenvolver conteúdo que gere conversa, não apenas consulta;Implementar AEO técnico: reestruturar dados para facilitar discovery via IA e mecanismos tradicionais;Diversificar distribuição: reduzir dependência de search orgânico tradicional.

Nicho e emergentes – capitalização de oportunidade

Criar feeds para APIs de IA: integrar com sistemas como ChatGPT Plugins e Perplexity Developer API;Estruturar autoridade temática: usar dados estruturados para posicionar-se como fonte preferencial em respostas específicas;Transformar descoberta em relacionamento: converter tráfego de IA em audiência própria via newsletters e apps;Monitorar janela de oportunidade: aproveitar período atual antes que conteúdo de nicho seja absorvido pelos modelos.

Fundamentos técnicos universais

Independente do cluster, todos os publishers devem observar:

Configuração de rastreamento: abrir acesso para crawlers de IA principais sem comprometer SEO tradicional;Markup estruturado: implementar schema.org com campos essenciais para indexação semântica;Monitoramento de presença: estabelecer sistema de alertas para citações e menções em plataformas de IA;Estratégia de metadados: criar descrições otimizadas para síntese algorítmica.

A execução dessas recomendações poderá determinar quais publishers prosperarão na era onde discovery e consumo de informação foram fundamentalmente redefinidos pela inteligência artificial.

The 42* question

Se sua audiência pode encontrar respostas sem visitar seu site, qual é o verdadeiro valor que você oferece além da informação?

Que experiência única você cria que nenhuma IA consegue replicar? Adoraria ouvir suas reflexões.

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Disclaimer: De maio de 2023 a novembro de 2024, atuei como Chief Digital Innovation Officer na CNN Brasil, uma das empresas analisadas neste estudo. A análise mantém perspectiva objetiva baseada exclusivamente nos dados públicos da Similarweb.

*”42 é a resposta. Mas, creio que o problema, para ser bem honesto, é que você nunca soube qual era a pergunta”, Brian Adams.