
16 ago A única solução para a Apple é um fracasso
A Apple precisa de um fracasso! É uma afirmação forte e chocante, mas isso pode ser a solução para a situação que a empresa e seus aparelhos se encontram hoje: falta de criatividade.
Uma era que não volta mais
Para explicar o que quero dizer, vamos voltar para uma época em que as coisas eram mais simples, o céu era menos poluído e a gente tinha a Macworld. O evento, desde sua fundação em 1985, era a Disney World dos fãs da Maçã, onde grandes tecnologias e novidades da empresa eram apresentadas em primeira mão aos consumidores. Impressoras a laser, PowerBook, Power Mac, Mac OS, iTunes e iPod Mini são só alguns dos exemplos.
As Stevenotes, que era o apelido para as apresentações de Steve Jobs, funcionam quase como um portal para o futuro, já que muitas das coisas que eram mostradas viravam tendência em pouco tempo. Um dos momentos mais marcantes disso acontecem em 2007.
Jobs sobe ao palco e fala que ia apresentar três coisas: um iPod widescreen com controle por toque, um telefone celular revolucionário e um dispositivo de internet inovador. Foi então que ele revela que, na verdade, essas três coisas eram uma só: o iPhone. Durante 80 minutos, a plateia viu pela primeira vez um celular sem teclado, que funcionava completamente via touchscreen, que tocava músicas e acessava a internet com facilidade. Hoje em dia, todo mundo tem um e dificilmente vive sem.
O novo não tão novo assim
Só com essa explicação, dá pra entender que a Apple está chegou onde está hoje fazendo por onde. Não foi sorte, foi visão. Porém, onde está esta visão? Desde o falecimento de Jobs em 2011, vítima de um câncer no pâncreas, a Apple vem sendo criticada por falta de inovação em seus produtos, vendendo “mais do mesmo”, mas vestindo de uma forma diferente.
Todo ano, um novo iPhone é apresentado e a ladainha é a mesma “esse celular vai mudar a forma que você se comunica” ou “essa câmera é tantas vezes melhor que a versão anterior” e coisas do tipo. Me diz a verdade, você lembra qual foi o último grande salto geracional que tivemos de um iPhone pra outro?
Podemos dizer que o X teve grandes mudanças em relação ao 7. Eu não falei o 8 porque ele e o X foram lançados praticamente juntos, então não faria tanto sentido comparar. O X trouxe uma tela de OLED com HDR que ocupa quase toda a tela do dispositivo, uma CPU muito mais potente, introdução do FaceID e o carregamento por indução magnética.
Vamos partir daí então. Quais as grandes novidades que a Apple trouxe de 2017 pra cá? No mercado de celulares, basicamente nenhuma grande. É só pequenas melhorias de desempenho, câmera mudando de lugar e coisas do tipo. Até o infame notch, o recorte na tela em forma de banheira que o iPhone X [Dez] foi o primeiro a popularizar, hoje já foi superado pela maioria das marcas Android, mas nos celulares da Maçã demorou para ser reduzido e ainda hoje persiste na forma de pílula da Dynamic Island.
Amiga, supera esse Dynamic Island (Imagem: Meshable)
Um erro gigantesco (e virtual)
Agora, fora do meio de celulares, podemos citar o Apple Vision Pro. Os óculos de realidade virtual da marca vinham com a proposta de serem diferentes de tudo, que revolucionariam a tecnologia assim como os smartphones. Era a mescla perfeita da realidade com o virtual, exibindo até mesmo uma simulação dos olhos do usuário para que as pessoas pudessem ver as reações enquanto interagiam. Pelo vídeo de divulgação, a Apple imaginava que o aparelho seria usado em casa, no trabalho, em aviões e afins, fazendo com que, com o tempo, nos acostumássemos a andar pela rua e ver pessoas com aparelhos na frente dos olhos fazendo gestos aleatórios.
Ok, muito bacana, muito legal, mas US$ 3.5k é pedir pra dar errado, principalmente quando o seu principal concorrente, o Meta Quest 3, pode ser facilmente encontrado por preços entre US$ 500 e US$ 600, além de ter uma biblioteca gigantesca de aplicativos e jogos para todos os gostos e desenvolvedores integrados nesse ecossistema há anos.
O Vision Pro chegou a ensaiar uma reação, ao vender 211% acima das expectativas no terceiro trimestre de 2024, mas a baixa demanda fez com que a produção fosse parada no começo desse ano. A impressão que ficou é que nem a própria Apple sabia para quer o aparelho servia de verdade. Ela o anunciou como um “dispositivo de computação espacial”, mas que não conseguia oferecer conteúdo de forma realmente impactante e diferenciada nem para quem queria trabalhar, nem jogar, nem se divertir de outras formas por mais do que alguns minutos. Foram meses até que a empresa começasse a entregar algumas experiências compartilhadas para múltiplos usuários do seu óculos caríssimo.
Vamos para os números! Foram vendidas 370 mil unidades do aparelho nos primeiros 9 meses de comercialização. Vamos considerar que eles fecharam com 450 mil vendas. Em seus primeiros anos de existência, o iPhone vendeu 1.4 milhões de unidades, o iPad 15 milhões de unidades e o Apple Watch 10 milhões. Sendo assim, esse foi um dos maiores fracassos recentes da empresa, mesmo sem levar em conta a grande quantidade de compradores que acabaram decidindo devolver o Vision Pro algumas semanas após a compra.
Quando um erro se torna sucesso (ou não)
Mesmo assim, não é esse tipo de fracasso que eu estou falando. O que eu quero dizer é que a Apple precisa de um fracasso que impacte realmente a empresa, especialmente onde ela hoje se considera mais forte, segura e estabelecida no mercado. Ou seja, um iPhone que não venda bem, para que ela se reagrupe, reformule e volte à sua essência: inovação na forma que o usuário experiência seus produtos.
Quer exemplos de quando isso aconteceu? Em 2012, a Nintendo lançou o Wii U, novo console que tinha uma proposta muito promissora, em que o controle tinha uma tela sensível ao toque incluída, cuja função era complementar a tela principal e até mesmo servir como principal caso a TV estivesse desligada ou em outro canal. A promessa era forte, já que o antecessor direto, o Wii, tinha sido um grande sucesso.
Só que a empresa vacilou no marketing e muitos consumidores acharam que aquilo era um acessório para o Wii. Além disso, ele chegou um ano antes do Xbox One e do PS4, consoles que vieram com potências gráficas muito mais fortes em uma época que cada partícula na tela contava.
A Nintendo então se recolheu, entendeu tudo o que tinha feito de certo nos últimos anos e definiu com clareza qual era sua posição no mercado: ser a segunda opção de todo mundo. Mantendo a ideia da tela do controle e pegando toda a expertise que tinham em portáteis, lançaram em 2017 o Nintendo Switch, um videogame hibrido cheio de grandes exclusivos e games independentes que hoje figura como o terceiro console mais vendido de todos os tempos.
É como um time do Brasileirão que é rebaixado pra Série B, volta para a A e, em poucos anos, volta a conquistar grandes títulos. Cruzeiro, Botafogo e Palmeiras são exemplos disso. Porém, há aqueles times que são rebaixados, não aprendem com os erros e ficam naquele esquema de ioiô, isso quando não se perdem de vez, como o Paraná e o São Caetano.
A finlandesa Nokia se tornou uma referência no mercado de celulares nos anos 90, por onde permaneceu por mais de uma década. Nokia 8110, 9000 Communicator, 6110, o tijolão indestrutível 3310 que desafiava até Chuck Norris e assim vai.
O problema é que a empresa não foi acompanhando as tendências do mercado. Isso aliado a um recall enorme de baterias e o crescimento do Android frente ao “caseiro” Symbian levaram a empresa a crises financeiras, realizando a demissão de quase 2 mil funcionários em 2009 e tendo sua divisão de celulares vendida para a Microsoft em 2013.
Dois anos antes da compra, as duas empresas tinham firmado uma parceria (Imagem: Nokia)
Diferente de todas as outras
E você sabe me dizer qual desses dois caminhos a Apple tá seguindo? Bom, nenhum deles. Isso porque a empresa já não é mais uma marca só de tecnologia, mas também de lifestyle. Ter um iPhone 15 Pro Max, um Apple Watch Series 10 e um AirPods Max tem um significado social muito maior do que ser uma pessoa apaixonada por tecnologia. Sem falar que é muito fácil ficar preso no ecossistema de produtos e serviços da Maçã, com aparelhos e plataformas que se conversam cada dia melhor e efetivamente não funcionam tão bem uns sem os outros.
E falando em paixão, a Apple tem algo que todas as empresas buscam ter: fãs. Quem gosta da marca, não troca ela por nada e muitas vezes nem vai atrás de estudar as opções dos concorrentes quando pensam em trocar de celular. Essa fidelização não passa batida pela marca, sendo a Macworld um claro exemplo disso. Acontece que as rivais também perceberam e começaram a usar essa lealdade a seu favor.
Em 2006, a SanDisk lançou a campanha uma campanha de marketing para o seu player de música, Sansa, chamada iDon’t, em que ela classificava os fãs da maça de iSheep, que seriam pessoas menos inteligentes e que só seguiam o que a empresa falava e apresentava. Esse apelido começou a ser usado por fóruns ao redor do mundo e esse estereótipo foi usado por outras campanhas.
Um print da campanha da SanDisk (Imagem: Thibodeaux Creative)
Isso tudo me leva a crer que, mesmo necessário, é extremamente improvável que a Apple fracasse e, com isso, os usuários continuem recebendo o mesmo produto ano após ano achando que é inovador. A culpa não é necessariamente de quem acredita, mas sim da falta de vergonha na cara de quem vende.
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