Gabriel Tecnologia: Prefeitura do Rio obriga startup a retirar 400 câmeras das ruas

A empresa Gabriel Tecnologia terá que retirar mais de 400 câmeras de vigilância das ruas do Rio de Janeiro até o fim de 2025. Essa decisão foi oficializada nos últimos dias pela prefeitura da cidade, que entendeu a atuação da startup como irregular e sem autorização para o uso em locais públicos.

Pelo menos desde 2023, a companhia instalou diversas câmeras de vigilância em vias e espaços públicos da cidade e geraram “interferência excessiva”. A decisão foi tomada durante a última reunião da CPI das Câmeras na Assembleia Legislativa do estado (Alerj), cujo objetivo é investigar a atuação de empresas privadas dessa categoria.

Saiba mais: Reino Unido condena à prisão ‘serial hacker’ que invadiu mais de 3 mil sites

Caso a empresa consiga autorizações no futuro, poderão ser instaladas novas câmeras em diversas regiões. Por enquanto, o processo é de retirada e reposicionamento com prazo até dezembro.

O que é e o que faz a Gabriel Tecnologia?

Fundada em 2020 no Rio de Janeiro, a Gabriel Tecnologia é uma startup que nasceu com foco em auxiliar no combate contra o crime. Pouco tempo após sua criação, a empresa chamou a atenção de gigantes, como a Softbank, que realizou um aporte financeiro de R$ 66 milhões na até então recém-fundada companhia.

A companhia foi criada por três sócios: Erick Coser, Otávio Miranda e Sérgio Andrade. Inicialmente, a ideia era integrar condomínios, casas e comércios com uma tecnologia de câmeras conectadas com inteligência artificial. O preço dos pacotes ofertados não eram nem tão caros, e começavam na casa dos R$ 300.

Nome da empresa foi inspirado no arcanjo Gabriel (Imagem: Gabriel Tecnologia)

Mais do que uma simples proteção, o modo de operação da Gabriel era monitorar e entregar dados para autoridades. Como possui IA integrada, as câmeras conseguem entender determinados padrões suspeitos e com ajuda de machine learning, aprender sobre os comportamentos das pessoas.

Caso um síndico ou morador de um prédio presenciasse um crime, basta ligar para a central da empresa e comunicar o ocorrido. Então, o conteúdo das câmeras pode ser enviado a um órgão policial, que analisará o conteúdo e seguirá com a investigação sobre o crime até que, potencialmente, encontre os culpados.

Dessa forma, a empresa se vende com uma alternativa de maior segurança. Em janeiro de 2024, a Gabriel Tecnologia captou mais de R$ 35 milhões de investidores para projetar uma rápida expansão em São Paulo, que até rendeu frutos após policiais usarem as câmeras da empresa para encontrar assaltantes.

Vigilância clandestina?

Em abril de 2023, a primeira grande polêmica envolvendo a Gabriel Tecnologia se tornou pública. O site Intercept Brasil captou imagens de supostos criminosos presos pela Polícia Militar, originadas do Slack corporativo da Gabriel.

Entenda: O que é autenticação multifatorial e porque você deveria habilitá-la em todas as suas contas

Desde sua criação, a startup mostrava sua proximidade com forças policiais, e apontavam que poderiam disponibilizar imagens e informações mediante a ofícios. Contudo, a reportagem aponta que muita das vezes essa relação acontecia de forma extra-oficial, e os conteúdos eram compartilhados clandestinamente.

Câmeras da startup são chamadas de Camaleão pelo design similar aos olhos do animal (Imagem: Gabriel Tecnologia)

A foto dos homens detidos, contudo, chegou primeiro para a Gabriel, e nenhum ofício foi enviado pelas autoridades. Mesmo antes dos suspeitos chegarem até a delegacia, a imagem dos homens detidos já circulava pela rede social corporativa da startup carioca.

Em resposta, a Gabriel se manifestou ao dizer que eventualmente as autoridades podem fornecer imagens dos detidos. No exato caso da fotografia dos suspeitos, a empresa comenta que “o conteúdo permanece em sigilo e é tratado estritamente para atender a determinação”. “Em nenhuma hipótese, as informações fornecidas por qualquer autoridade são utilizadas pela Gabriel para propósitos diversos”.

A Gabriel Tecnologia é uma startup que usa câmeras de segurança para criar uma rede conectada de vigilância;Um dos focos da empresa era ajudar no combate contra o crime;Esse sistema de câmeras funciona em condomínios, casas e comércios;O projeto recebeu injeções de dinheiro de inúmeros investidores ao longo dos anos;Em 2023, foi acusada de compartilhar informações clandestinas com a Polícia Militar.

Gabriel e as 400 câmeras

A decisão da CPI das Câmeras ocorreu após a Gabriel Tecnologia instalar cerca de 400 câmeras em locais públicos. Empresas privadas até podem realizar essa instalação, mas desde que tenham uma autorização expressa pela prefeitura da cidade para viabilizar a operação.

Com uma integração de tantas câmeras assim, a Gabriel conseguiria criar um verdadeiro centro de controle e monitoramento. Por mais que a intenção da startup seja de atuar no combate ao crime, não havia acordo entre a entidade privada e o poder público para a filmagem de pessoas e o armazenamento desses dados.

Gabriel Tecnologia já soma cerca de R$ 12 mil em multas (Imagem: Alex Ramos/Alerj)

“A empresa teve abusos identificados no ano passado e, ao constatar interferência indevida no calçamento, aplicamos multas e pedimos a remoção de alguns aparelhos”, explica o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, Gustavo Guerrante.

Leia também: Criminosos vendem contas de email roubadas de governos e até de policiais do Brasil

Em 2024, a prefeitura da cidade abriu cinco procedimentos por desconformidade na instalação dos equipamentos. Em resposta, um dos fundadores da companhia, Erick Coser, garantiu aos representantes do governo que acatará a decisão até o prazo estipulado pelas autoridades.

“As câmeras ainda estão ligadas e o serviço segue sendo prestado, mas já estamos trabalhando para o desligamento. Esse é um processo demorado, não é algo simples”, afirmou Coser.

A autorização de empresas privadas com câmeras em vias públicas abre precedentes perigosos a respeito da privacidade dos cidadãos, já que é preciso ter um forte rigor para o armazenamento e veiculação desses dados.

Para mais informações sobre segurança e tecnologia, acompanhe o TecMundo e não perca as novidades.