Brasil vai proibir loot boxes e pay to win? Entenda impacto da PL da adultização nos jogos

A Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei 2628/22. Impulsionada pelo caso exposto pelo influenciador Felca, a iniciativa busca criar novas regras de proteção para crianças e adolescentes no ambiente digital. 

A proposta, que ficou conhecida como “PL da adultização”, já passou pelo Senado e agora retorna para nova votação após alterações. E, apesar de o foco estar nas implicações para as redes sociais, a lei pode ter impactos diretos no mercado de games — especialmente em práticas como loot boxes e jogos pay to win. 

Para entender os efeitos sobre o mercado brasileiro de games, o Voxel conversou com Anderson do Patrocínio, advogado e mestre em Comunicação, Política e Tecnologia pela UFABC, além de membro do podcast Regras do Jogo. O especialista explicou os pontos mais delicados da proposta e como eles podem afetar a indústria.

Quais tópicos envolvendo games estão presentes no projeto de lei?

Na prática, o PL inclui obrigações para fornecedores de jogos, aplicativos e redes sociais, além de medidas envolvendo controle parental. Os trechos que mais repercutiram na comunidade gamer incluem diretrizes para loot boxes e o fim de vantagens competitivas obtidas mediante pagamento. 

Caso seja sancionado, o texto entrará em vigor um ano após sua publicação, dando prazo para adaptação das empresas. Os trechos que mais geraram dúvidas e debates entre jogadores online estão dentro do capítulo VII, incluindo:

Artigo I  – o jogador deverá obter acesso à recompensa de, no mínimo, 1 (um) item virtual ou 1 (uma) vantagem aleatória em cada caixa de recompensa adquirida, vedando-se caixas vazias ou que resultem em ausência total de benefício no ambiente de jogo.Artigo II – as probabilidades de obtenção dos itens ou vantagens oferecidos devem ser informadas de forma clara, acessível, precisa e ostensiva antes da aquisição de cada caixa de recompensaArtigo III – Proíbe a comercialização, troca ou conversão de itens virtuais em moeda corrente, créditos financeiros ou vantagens fora do jogo.Artigo IV – Veda vantagens competitivas significativas ou desproporcionais mediante pagamento, em prejuízo da isonomia entre jogadores pagantes e não pagantes.

Loot boxes e vendas de itens serão proibidas no Brasil?

Um dos trechos mais diretos do projeto diz respeito às caixas de recompensa, conhecidas pelos gamers como loot boxes. Enquanto versões mais antigas do projeto apontavam que a mecânica poderia ser totalmente proibida, a edição aprovada conta com um trecho apontando para mais transparência no recurso: as caixas devem sempre trazer uma recompensa, com as probabilidades ficando claras aos jogadores.

De acordo com Anderson do Patrocínio, a abordagem segue um padrão visto em outros países. “Ainda é um tema bastante recente no mundo todo, mas países como Bélgica, Holanda e China exigem transparência das publicadoras a respeito do funcionamento de loot boxes e demais aspectos que envolvem sorte e vantagens competitivas, além de limitar práticas que aproximam videogames de jogos de azar”, explica o advogado.

Venda de skins fora da Steam pode ser impactada

Por outro lado, o artigo que fala sobre a compra e venda de itens in-game pode afetar plataformas que comercializam skins de jogos como Counter-Strike 2 fora da Steam. A mudança, no entanto, pode ser benéfica para a plataforma da Valve, que deve garantir ainda mais controle sobre o mercado da Steam.

Segundo Anderson, a regra deve atingir principalmente práticas que acontecem fora do ambiente das plataformas oficiais: “Fora do ambiente do jogo, que aqui deve ser entendido também como as plataformas que viabilizam o acesso ao jogo em si, não há como garantir a lisura dos serviços prestados. Nesse sentido, a política da Steam já discorre abertamente a respeito desta prática.”

Jogos “pay to win” podem virar caso de lei

Outro ponto importante é o Artigo IV, que veda a concessão de vantagens competitivas significativas ou desproporcionais mediante pagamento. Na prática, isso pode atingir jogos classificados como pay to win no Brasil.

De acordo com o advogado, o texto ainda é pouco objetivo e deixa espaço para interpretações. No entanto, a versão atual aponta que jogos que oferecem vantagens podem sofrer com sanções no país.

“O texto deve ser mais objetivo em esclarecer o que são vantagens competitivas significativas ou desproporcionais.”

“Em teoria, sim, pode proibir práticas pay to win. No meu entendimento, o texto deve ser mais objetivo em esclarecer o que são vantagens competitivas significativas ou desproporcionais. Em termos legislativos, toda proibição deve especificar de forma mais clara possível qual é a conduta vedada pela lei.”

Responsabilização dos pais e controle parental

O projeto também dedica bastante atenção ao papel da família no acompanhamento da experiência online de crianças e adolescentes, o que conversa com polêmicas recentes, incluindo controvérsias na plataforma Roblox. A proposta obriga que jogos com interações entre usuários ofereçam mecanismos de gestão via controle parental.

Segundo Anderson, essa abordagem segue um movimento global: “Controle parental é uma medida adotada em todo o mundo desde os anos 90. Países como Coreia do Sul, Reino Unido e Alemanha estão implementando modelos de verificação dos pais, colocando-os como parcialmente responsáveis ao darem ciência do que os filhos estão jogando.” 

Ele reforça que esse aspecto tende a ser o mais relevante para o debate atual: “É algo que vem ocorrendo em diversos países dentro desse contexto de regulamentação das redes. Provavelmente é o ponto que mais se comunica com o que o Felca levantou, porque atribui uma responsabilidade direta aos pais ao exigir deles o consentimento a respeito do conteúdo que crianças e adolescentes consomem.”

Ainda assim, Anderson observa que o projeto nasceu em 2022 e, por isso, pode parecer deslocado em relação às discussões mais recentes: “Claro que outros aspectos também importam, como o afastamento de jogos de azar e bets. Mas a real é que não existe um encaixe totalmente perfeito dentro dessa temática.”

Fiscalização e falta de conhecimento são grandes desafios

Para o especialista, além dos esclarecimentos nas leis, a parte mais complexa no assunto é a aplicação das novas diretrizes. O texto apenas prevê que caberá ao Poder Executivo regulamentar a fiscalização, o que gera incertezas sobre como, de fato, a lei poderia entrar em vigor no dia a dia.

“De forma geral, a fiscalização da lei é um dos grandes gargalos do ordenamento jurídico brasileiro. É bastante comum que medidas legisladas não sejam aplicadas por falta de regulamentação”, comenta Anderson.

“Nossos parlamentares não parecem entender do assunto de forma suficiente.”

O projeto ainda precisa passar por nova votação no Senado e pode sofrer alterações antes de chegar à sanção presidencial. Com isso, questões relacionadas especificamente aos games podem cair ou passar por grandes reformulações.

“É impossível prever o que pode acontecer nas próximas discussões, pois além do tema ser bastante recente, nossos parlamentares não parecem entender do assunto de forma suficiente, incluindo aqui as implicações e possibilidades de viés tecnológico”, avalia o especialista. “Faltam especialistas nas casas legislativas, mas sobram acusações morais de tom conservador.”