Qual é o impacto de uma possível venda do Chrome na atribuição e mensuração em ambiente digital?

A possível venda do Google Chrome pode transformar radicalmente como mensuramos e atribuímos conversões. Com 68% de market share e integração profunda com Google Analytics, uma mudança de controle forçaria a maior migração tecnológica desde o declínio do Internet Explorer. Embora a probabilidade seja baixa, profissionais de dados devem se preparar agora.

Não é mais especulação — Perplexity ofereceu US$ 34 bilhões pelo Chrome, OpenAI declarou interesse público, e múltiplas empresas de IA já lançaram navegadores próprios. O que está em jogo não é a sobrevivência do Google, mas o controle da infraestrutura de coleta de dados comportamentais que
alimenta todo o ecossistema de advertising e IA. Chrome é a “porta de entrada” através da qual 68% dos usuários acessam a web (quem controla essa porta, controla os dados).

A infraestrutura invisível que controla todos os dados comportamentais

Quando você abre um relatório no Google Analytics 4, está vendo apenas a ponta do iceberg. Por trás desses dados existe um monopólio de coleta onde o Google Chrome controla não apenas o gateway de acesso, mas toda a infraestrutura de como dados comportamentais são capturados, processados e disponibilizados.

O tamanho real do monopólio

A dimensão do problema fica clara com os números da W3Techs:

Google Analytics + Universal Analytics: 80% do mercado (sim, ainda tem gente com Universal Analytics instalado!)Google Tag Manager: 99% do mercado de gerenciamento de tagsChrome: 68% dos usuários globaisResultado: ~44 milhões de sites completamente dependentes

(Fontes: W3Techs — Market Share of Traffic Analysis Tools e W3Techs — Market Share of Tag Managers)

O Google não apenas processa esses dados — ele os usa para alimentar seu próprio ecossistema publicitário, criando vantagem competitiva impossível de replicar. É um loop infinito de dominância.

O que muda se o Chrome for vendido

Vocês lembram do trauma que foi migrar para o Google Analytics 4? Agora imagina isso de novo, mas em escala apocalíptica. Com novos padrões de coleta (hipoteticamente), outras ferramentas ganhando relevância… É como levar um golpe quando você acabou de se recuperar do anterior.

Uma venda forçaria:

Fragmentação total dos padrões de coleta;Ascensão de ferramentas independentes (finalmente!);Fim da vantagem informacional absurda do Google Ads;Possível retorno de navegadores focados em privacidade.

Essa disputa ecoa o caso antitruste da Microsoft nos anos 1990 — mas agora o prêmio não é controlar a porta de entrada da web, é controlar os dados de tudo que fazemos nela.

Por que empresas de IA estão loucas por navegadores

Josh Miller (CEO da Browser Company/Arc) trouxe um excelente ponto recentemente: navegadores são “sistemas operacionais para a web”. Quem controla o navegador, controla o comportamento e as intenções do usuário.

O valor comercial é absurdo. A diferença entre saber o que o usuário pergunta vs o que ele faz depois é a diferença entre adivinhar e ter certeza. Uma conversa com IA é muito mais poderosa que uma busca “fria” no Google.

O futuro assustador do remAIrketing (sim, inventei essa palavra)

Cenário atual: você pergunta ao ChatGPT sobre SUVs de 7 lugares. Recebe resposta genérica.

Cenário com navegador próprio da IA: “Vi que você passou semanas pesquisando Volvo e Audi, focando em segurança. O XC90 bate todos os critérios que você priorizou. Aliás, tem test-drive disponível amanhã às 14h na concessionária a 3km da sua casa. Confirmo?”

E isso não é ficção científica. O ChatGPT já tem plugins da Instacart (adiciona ingredientes direto no carrinho), Klarna (compra produtos sem sair do chat) e Shopify (checkout integrado). Como reportou o TecMundo, esses plugins transformam o ChatGPT em um “super app” capaz de executar ações reais. O Operator da OpenAI, lançado em 2025, vai além: literalmente navega e compra por você. A diferença é que com um navegador próprio, a IA teria acesso TOTAL ao contexto, não apenas ao que você conta pra ela.

Isso não é mais atribuição — é controle total da jornada. O MTA (Multi-Touch Attribution) que conhecemos vira peça de museu.

Ecossistemas fechados: o verdadeiro terror

Já viu o TikTok Shop? É o futuro — toda a jornada acontece dentro da plataforma. Zero visibilidade externa.

Agora imagina isso com IA: você pergunta, ela responde, sugere, e finaliza a compra. Tudo via chat. Como você atribui isso? Spoiler: você não atribui no nível granular. A IA é dona de tudo.

O plot twist? Esse “sandbox” forçado das jornadas pode ser exatamente o empurrão que faltava para adoção em massa de MMM (Marketing Mix Modeling). Quando você não consegue mais rastrear cliques individuais, resta medir o impacto agregado — e MMM foi feito pra isso.

Como se preparar (sem entrar em pânico)

1. Server-side tracking: seu novo melhor amigo (por motivos que você nem imagina)

Implementar Google Tag Manager Server-side não é mais “nice to have” — é sobrevivência. Benefícios óbvios:

Resistência a bloqueadores: seu tracking sobrevive a ad-blockers e ITPDados first-party de verdade: você controla o fluxo, não o navegadorFlexibilidade total: envia dados para qualquer plataforma

Mas o insight real é outro: num mundo onde IAs intermedeiam compras, o serverside vira sua única chance de capturar os poucos usuários que ainda navegam no seu site. E aqui vem a sacada: o papel das redes de anúncio vai mudar completamente.

Pensa comigo: Google Ads e Meta deixam de ser canais de conversão direta e viram puramente aquisição e awareness. O ChatGPT (ou similar) vira o meio do funil. Seu site? É onde você fideliza e converte quem já confia em você.

O ciclo virtuoso: Você usa ads para trazer pessoas → elas conhecem sua marca → algumas convertem via IA (você perde o tracking) → outras voltam direto no site (server-side captura tudo) → você usa esses dados preciosos para otimizar as campanhas de aquisição → repete.

Sim, vai precisar aprender Cloud, APIs de conversão, LGPD… Mas é isso ou morte lenta por falta de dados.

2. Marketing Mix Modeling: o complemento essencial

MTA (tracking individual) vai continuar existindo — mas sozinho não basta mais. MMM (Marketing Mix Modeling) vira peça fundamental:

Análise estatística agregada: não depende de cookies;Resistente a mudanças: funciona com qualquer cenário de privacidade;Visão macro: entende impacto real de cada canal.

A jogada inteligente: Usar MTA onde ainda funciona (navegação direta no site) + MMM para entender o todo (incluindo conversões invisíveis via IA). Os dois coexistem e se complementam.

É mais complexo? Sim. Mas é o único jeito de ter atribuição confiável num mundo fragmentado.

3. Diversificação urgente de ferramentas

Para de depender só do Google Analytics 4. Sério. Experimente:

Amplitude/Mixpanel: product analytics de verdade (não web analytics disfarçado);Segment ou RudderStack (open source): CDPs (Customer Data Platform Plataforma de Dados do Cliente) para unificar dados de múltiplas fontes;Plausible/Matomo: privacy-first, você controla tudo.

A ideia não é trocar — é ter alternativas prontas.

A real: prepare-se para o caos (organizado)

A probabilidade da venda ainda é considerada baixa por analistas, mas o impacto seria sísmico. Não estamos falando do fim do Google — eles continuam com Search, YouTube, Cloud. Estamos falando do fim do monopólio sobre COMO dados são coletados.

O futuro será fragmentado, focado em privacidade, e tecnicamente complexo. Empresas que construírem capacidade própria de dados (ao invés de terceirizar tudo pro Google) não apenas sobreviverão — vão prosperar.

A pergunta não é SE o monopólio vai acabar, mas se você vai estar preparado ou será pego de surpresa quando acontecer.

PS: Se você chegou até aqui, parabéns. Você é dos poucos que realmente entende a dimensão do problema. Agora vai lá implementar server-side tracking e seu MMM antes que seja tarde demais.