Roubar ‘é normal’, pelo menos no mundo da tecnologia

Uma das reclamações que eu mais ouço desde que entrei no mundo da tecnologia é que uma empresa copiou a outra. A Apple copiou a Samsung, que copiou a Apple. A Nintendo copiou a PlayStation que copiou a Xbox que copiou a Nintendo. A AMD copiou a Nvidia. O baile segue.

Quero debater com vocês sobre o tema e explicar porque a cópia não é algo necessariamente ruim, se funciona.

A arte, a tecnologia e o roubo

“Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”. A clássica frase de Steve Jobs pode parecer polêmica de cara, mas ela é a síntese do modus operandi de como grandes artistas, músicos, escritores, pintores e, claro, industrias tech trabalham.

Copiar, pelo dicionário Priberam, significa “imitar, plagiar, reproduzir alguma obra”. Enquanto isso, roubar significa “subtrair às escondidas, furtar”. Porém, a frase não diz respeito ao sentido literal das palavras, mas sim a uma questão quase filosófica.

Aqui, “copiar” é replicar, ou seja, fazer o que o outro já fez, mas com um tapa aqui e outro acolá, sem originalidade. Enquanto isso, “roubar” é analisar referências e eliminar o excedente, ficando só com a nata. Quando o melhor de cada referência é combinado, o resultado é muitas vezes chamado de “inovador” ou até “genial”. Um bom exemplo é o game Clair Obscur: Expedition 33, lançado no começo desse ano, que combina elementos de diversos outros jogos para entregar um resultado único.

Inclusive, fica aqui a minha recomendação para o livro “Roube Como Um Artista”, de Austin Kleon, que contém ótimas dicas sobre criatividade. Você pode comprá-lo clicando aqui.

Agora, um fato bem do curioso baseado em tudo o que falei é que a frase de Jobs citada anteriormente não é dele. O criador da Apple afirmou que a autoria era de Pablo Picasso, renomado artista espanhol conhecido por obras como “Guernica” e “Velho guitarrista cego”.

Só que não é bem assim. Há registros de pessoas como Igor Stravinsky, Lionel Trilling, T. S. Eliot e W.H. Davenport Adams dizendo frases extremamente similares antes de Picasso. Isso soa como poesia para meus ouvidos.

Quando o pega-pega vira “rouba-rouba”

Na indústria da tecnologia, tivemos exemplos recentes de roubos que me motivaram a falar sobre esse assunto: Apple lançando iPhone Air meses depois da Samsung lançar Galaxy S25 Edge; Google adicionando Pixel Snap à linha Pixel 10, que até funciona com acessório Magsafe da Apple; Menu de configurações rápidas na OneUI 7 da Samsung que imita muito a Central de Controle do iOS; e eu só vou parar por aqui pra gente não ficar preso muito tempo nesse assunto.

O “finíssimo” da Apple com certeza colou do amiguinho na prova (Imagem: Apple)

Um dos motivos dessas empresas e de outras fazerem coisas parecidas é, principalmente, o “custo de troca”. Isso diz respeito à sensação de dificuldade que as pessoas sentem sempre que pensam em mudar de marca de dispositivo, incluindo desde fatores como o preço dos aparelhos de determinado ecossistema, o esforço e tempo para fazer a transição e se adaptar ao novo software, e até a presença ou ausência de aplicativos e funcionalidades específicas no sistema do aparelho para o qual pensam em mudar.

Vamos para um exemplo. Um fã da Apple, que tem iPhone, iPad, iMac e afins, é apaixonado pelo Air Drop a ponto de que o recurso se tornou algo completamente indispensável para ele. Caso decida mudar de ecossistema, ele vai escolher serviços e produtos que tenham alguma tecnologia parecida. Com isso, vem a Google e lança o Nearby Share, um serviço de compartilhamento que conecta dispositivos Windows com Androids, tudo para “nivelar o jogo”. Isso se torna um atrativo para a mudança, ou pelo menos reduz um pouco a sensação do “custo de troca”, já que pouco impactará no funcionamento do workspace dessa pessoa.

O Nearby Share foi uma novidade muito bem-vinda (Imagem: Google)

Com o “roubo” feito, a empresa busca apresentar suas próprias tecnologias exclusivas para convencer esses novos consumidores a ficarem e fidelizar ainda mais quem já estava ali. Ou seja, ao mesmo tempo, as empresas se esforçam para reduzir o “custo de troca” para quem quer vir para seus aparelhos e aumentar o “custo de troca” para quem pensa em sair deles. Bom, isso até a outra empresa vir, fazer seu próprio roubo e perpetuar o ciclo.

É algo completamente comum hoje em dia e feito às claras. Só observar os novos lançamentos da Google e Apple, quanto a sistema operacional para dispositivos portáteis, e da Samsung e Apple, quanto a tecnologias presentes em seus celulares top de linha.

Indo para um lado artístico, poderíamos dizer que são quase releituras, formas diferentes de apresentar a mesma solução para os mesmos problemas, mas partindo de contextos diferentes. Porém, dentro do nosso recorte do assunto, tá menos pra um debate artístico e mais pra uma luta de cachorro grande. Sendo assim, os exemplos anteriores estão mais próximos de trocações limpas, como em uma luta de boxe, onde, além de desferir um golpe em seu adversário, é importante imitar os movimentos dele para não apanhar.

Roube para destruir

Entretanto, há também aquelas lutas não muito justas, se assim posso dizer. Uma que me vem à mente quando falamos desse assunto aconteceu em 2013, quando uma rede social começou a fazer bastante sucesso entre os jovens. O motivo era bem curioso: a possibilidade de compartilhar com os amigos fotos e vídeos que sumiam após 24 horas e também mandar fotos que, após abertas, sumiam para sempre, sendo, inclusive, deletadas dos servidores da empresa.

O fantasminha que dominou a juventude nos anos 2010 (Imagem: GettyImages)

A efemeridade do Snapchat dava uma sensação de vivenciar aquele momento juntos e, depois, viraria memória para todos. Numa pegada tipo “você tinha que estar lá pra entender”. Coisa de jovem. Considerando que a rede começou a fazer sucesso junto com a popularização dos smartphones, principalmente nos EUA, era esperado que ela fosse chamar a atenção de figurões do Vale do Silício.

A Facebook, atual Meta, tentou competir inicialmente ao criar o Poke, aplicativo com ideia bem parecida, mas que não realmente deletava as fotos, o que não ajudava nem um pouco quando os usuários avaliavam o custo de troca.

Não conseguindo contra eles, tentaram se juntar a eles: em 2013, o Facebook fez uma oferta de 3 bilhões de dólares para comprar o Snapchat, 2 a mais do valor de mercado avaliado da empresa. E, mesmo assim, o CEO Evan Spiegel, aos 23 anos, recusou a oferta por confiar que seu produto daria muito certo.

Aparentemente, Mark Zuckerberg não aceita muito bem uma derrota e, após ir roubando uma coisinha ou outra, chegamos a 2016, quando foi implementado o Story, função que permite postar publicamente fotos que sumiam em 24 horas. Ou seja, agora o Instagram tinha a principal função que deixou o Snap tão popular, então não teria porque manter os dois aplicativos.

Story é com certeza uma das principais funções do Instagram hoje em dia (Imagem: Instagram)

Acontece que, para fazer isso de forma efetiva, a Meta jogou sujo. Segundo documentos revelados em 2024 durante um processo entre consumidores e a empresa, o Facebook teria lançado um projeto secreto chamado “Projeto Caça-Fantasmas” em que interceptou e de descriptografou o tráfego de rede entre os usuários e os servidores do Snapchat.

O objetivo era entender o comportamento desses usuários e ajudar a empresa a desenvolver novas tecnologias para bater de frente com a rival, sendo isso uma vantagem competitiva desleal e até ilegal, podendo ser caracterizado como espionagem industrial (mas no final não vai dar em nada).

O Snapchat não saiu tão no prejuízo, e hoje tem um valuation de aproximadamente 25.5 bilhões de dólares, mas você consegue imaginar um Instagram sem stories? Não só o Instagram, mas Facebook e até WhatsApp.

Esse é o tipo de roubo que Steve Jobs, Pablo Picasso, Igor Stravinsky, Lionel Trilling, T. S. Eliot e W.H. Davenport Adams descreveriam como feito por um bom artista, não ótimo.

Quando não dá certo

Agora, tem também aqueles roubos feitos por péssimos artistas, a ponto de fracassarem. Você lembra do PlayStation Move, do PlayStation 3? Após o estrondoso sucesso do Nintendo Wii, a sua concorrente conterrânea achou uma boa ideia bater de frente e lançar o seu próprio controle de movimento.

A tecnologia é boa, mas e os jogos (Sony/PlayStation)

Lançado em 2010, 4 anos depois da chegada do Wii ao mercado, o PS Move tinha uma tecnologia muito superior, como conexão por bluetooth, bateria interna de lithium, formato mais ergonômico, vários sensores internos de orientação, indicador RGB e assim vai.

No geral, a tecnologia era realmente muito boa, a ponto de que ele foi usado posteriormente no PlayStation 4, 5 e PSVR. Porém, ele era bem caro, não tinham tantos jogos que o suportavam e ele não era tão apelativo para a base de jogadores do PS3, a ponto de que, em 2 anos, só foram enviadas 10.5 milhões de unidades para revendedores. Teria sido um ótimo roubo, mas ótimos roubos também dependem do contexto em que são aplicados.

Bom, acredito que deu pra entender que, nessa indústria vital, a frase “copia, só não faz igual” é quase como um mantra. Todo mundo do topo da cadeia vai ficar se imitando e adicionando seus próprios temperos pra fazer aquele “mexidão” gostoso (ainda que sem muita ética).