
21 set A nave, o ninja e o som ao redor
Existe uma coisa em comum entre ninjas e naves espaciais: o silêncio. Tanto o furtivo guerreiro oriental quanto os veículos estelares possuem um caminho silencioso; o primeiro deve ser preciso e mortal para cumprir suas missões; o segundo cruza a imensidão escura do espaço, onde sons não se propagam.
Ironicamente, um dos grandes destaques dos jogos recém lançados, Earthion e Ninja Gaiden: Rebound, é justamente o som. As duas produções possuem trilhas sonoras marcantes e características, trazendo uma nostalgia gostosa (para velhos como eu), além de adicionar novas nuances para essas obras pixelizadas.
Entre o som e o silêncio, a ausência e a presença, as kunais e raios laser, um sentimento em comum me faz adentrar esses jogos com a certeza que serei cativado: a diversão intrínseca da dopamina advinda de obras indies como essas.
E isso é ativado logo no menu, antes de apertar o botão de início, quando a música com batidas marcantes se aloja no meu lóbulo pré-frontal e me faz refém imediatamente; ali, o emocional já está completamente tomado e me sinto como um ninja vingativo ou piloto espacial, mesmo que eu apenas esteja vendo pixels coloridos e sentindo os toques polifônicos com swing da modulação de frequência macetando meus ouvidos. Porque essa é a experiência “videogame” que me fez amar essa arte.
Viajando num som
Eu iniciei a minha longa (e talvez eterna) caminhada nos games através do Mega Drive. Jogos como Shinobi, Sonic e Street of Rage fizeram parte da minha “formação” como jogador. Então, quando Yuzo Koshiro anunciou que estava produzindo um novo jogo, idealizado por ele e que seria no estilo shooter de “navinha”, é claro que eu fiquei empolgado.
Responsável pelos efeitos de som e trilhas sonoras de jogos consagrados, como Shenmue e Super Adventure Island (além dos três citados mais acima), Koshiro pavimentou muito da minha infância nos games, antes mesmo de eu saber quem ele era.
E agora, mais uma vez, esse mestre do som nos dá a oportunidade de ouvi-lo através do lançamento de Earthion. Confira abaixo o trailer do jogo:
Earthion é um jogo novo, mas que resgata um passado quase palpável. Digo isso pois ele receberá uma edição física para Mega Drive. Além de ser lançado digitalmente (e fisicamente) para consoles recentes, como PlayStation, Xbox, Nintendo Switch e PC via Steam, ele terá uma edição de colecionador recheada de itens, incluíndo um vinil e uma fita cassete, pela Limited Run. Embora isso possa revelar um traço meio consumista, acho bacana quando jogos indies podem se materializar desta maneira.
Nossa sociedade hoje é inerentemente digital, tornando-se quase impossível tentar produzir algo que esteja desvinculado disso – o que, na minha humilde opinião, é pavoroso. Mas, apesar de toda onipotência, onipresença e onisciência da rede digital, existe um movimento que tenta deixar as coisas, digamos, mais analógicas.
O som, como algo que você pode tocar com as mãos, manipulando a sua experiência, exigindo do ouvinte um certo esforço ao colocar a agulha no vinil ou fechar a gavetinha do K7 e dar play, parece algo arcaico, quase de uma era esquecida, mas que na verdade tem se tornado cada vez mais presente; cada vez mais necessário.
E nesta curva sem fim que é a vida, me aproximando cada vez mais dos meus 40 anos, é bom reencontrar Koshiro e as lembranças que os sons de seus jogos me trazem, e tudo isso embalado em plástico, com a possibilidade de “pegar’ o seu som. E agora tenho uma nova obra para apreciar cada nota e materializar o conceito de que o som pode atravessar o tempo, torcendo o espaço numa viagem em dobra, como uma nave pilotada pelo meu eu do passado com o Eddy do presente ao lado.
Aliás, para o lançamento de Earthion, Koshiro esteve aqui no Brasil participando da Retrocon 2025:
Da escuridão, eu ouço o batidão
Descendo do espaço e pousando na mítica lenda do guerreiro assassino que vive nas sombras, está o ninja. Sendo mais específico, estou falando de Ninja Gaiden: Rebound – se você achou que eu havia esquecido dele, não se engane, ou levará um golpe furtivo.
Embora Naruto tenha, de certa forma, saturado o conceito de ninja nos últimos anos, transformando esse tipo de guerreiro soturno numa amálgama colorida com poderes diversos, eu sempre achei que a maior colaboração que o anime trouxe foram justamente suas músicas de abertura e encerramento.
Ninja Gaiden: Rebound traz esse aspecto musical bem latente. Cada fase apresenta uma atmosfera diferente, agregando uma retumbância que me faz vibrar e estremecer, como acontecia com as músicas do Naruto.
No time que deu ritmo a essa aventura temos os compositores Keiji Yamagishi, Ryuichi Niita e Kaori Nakabai – criadores originais da trilha sonora da trilogia de Nintendinho – liderados por Sergio de Prado, conhecido por seu trabalho em Blasphemous. Se você ainda não jogou, pode ficar tranquilo, dá para curtir esse som vibrante nas plataformas digitais:
E aqui, novamente, o som nos permite mais uma convergência, pois o novo Ninja Gaiden é uma produção da Dotemu, uma publisher indie francesa que tem ressuscitado muitas franquias consagradas, das quais Street of Rage faz parte. E SoR é um jogo que teve a trilha sonora criada por quem? Sim, meus amigos, Yuzo Koshiro! E este grande cidadão também entende de ninjas, afinal ele foi responsável pela trilha de Revenge of Shinobi, além de ter uma participação no jogo mais recente da franquia, Shinobi: Art of Vengeance – que ganhou um review quentíssimo aqui no Voxel.
A importância da música nos games é algo que vai além de apenas encantar e entreter. Em jogos da franquia Souls, por exemplo, ela aumenta a tensão na hora de encarar os chefes. O som e a música dão ritmo, criam momentos, auxiliam como elemento narrativo; até a sua ausência em jogos de terror criam angústia no jogador, até a derradeira hora do susto.
O assunto é longo e posso falar sobre ele por linhas sem fim, mas acredito que vocês tenham captado a ideia. E muitos de vocês devem ser fãs dessas trilhas emocionantes, então só quis lembrá-los que o som, embora esteja em segundo plano, é também sustentação da maioria dos jogos, mesmo que seus heróis pilotem naves no escurinho e silencioso espaço ou cumpram missões letais na calada da noite, um batidão aquece o coração desses valorosos aventureiros digitais. Então não deixem de aumentar o volume sempre que puderem ao jogar!
Ninja Gaiden: Rebound está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series S|X, Nintendo Switch e PC via Steam. Já Earthion está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox Series S|X, Nintendo Switch e PC via Steam.
Uma cópia de Earthion e de Ninja Gaiden: Rebound para PC via Steam foram concedidas pelo time da Masamune, com as quais foi possível realizar esse texto.