Crítica: Ne Zha 2 combina mitologia chinesa com uma animação belíssima

Manter o posto de maior bilheteira em um ano marcado pela volta de franquias como Quarteto Fantástico, Superman e Jurassic World já é impressionante. Mas alcançar esse feito com uma produção que não é americana nem europeia, sendo uma animação chinesa, surpreende ainda mais. É exatamente isso que Ne Zha 2: O Renascer da Alma conquistou em 2025, consolidando a força do cinema chinês no cenário global.

O primeiro filme da saga ficou em 12º lugar na bilheteira mundial em 2019, mas agora a sequência chega com um investimento quatro vezes maior — estimado em R$ 427 milhões. Esse aporte foi decisivo para alavancar o longa ao topo, mas ainda assim levanta a pergunta: Ne Zha 2 realmente é tudo isso?

Mitologia chinesa e filosofia taoísta em Ne Zha 2

Quem assistiu ao primeiro filme ou está familiarizado com a mitologia chinesa, já conhece a referência do protagonista. O mito mais famoso conta que Ne Zha é uma entidade mística e divina, retratada por uma criança e muito famosa pelo seu temperamento. Em O Renascer da Alma, o roteirista mantém essa essência, mas insere com mais força os princípios do taoísmo, que rejeita extremos e não trata a luta entre bem e mal de forma simplista.

Isso se reflete em momentos em que não fica claro se os heróis estão 100% certos ou se os antagonistas estão de fato errados. Essa ambiguidade traz algumas reviravoltas na trama, ainda que o excesso de mitos misturados a torne confusa em certos trechos. Para o público infantil, no entanto, a abundância de estímulos pode ser até um atrativo.

Personagens complexos e relações de Yin e Yang

Seguindo essa lógica do Tao, personagens antes rivais agora se tornam aliados. Ne Zha (fogo) e Ao Bing (água) representam forças opostas, mas complementares — como Yin e Yang. Essa dinâmica cria momentos de humor e intensidade, reforçando a mensagem de equilíbrio e complementaridade entre contrários.

Além disso, a complexidade de personagens secundários se destaca, dando profundidade à trama e levando motivações aos protagonistas. Os vilões da obra também surpreendem, sendo envolvidos em muitas das reviravoltas do longa.

O carisma e a evolução emocional de Ne Zha

A evolução do protagonista difere um pouco de outras animações, onde o personagem evolui fisicamente por meio de treinos e provações. Em Ne Zha 2, ele evoluí por causa de desafios emocionais, o que contrasta com seu temperamento esquentado —a provação física chega, mas não é o foco na maior parte do filme.

Por conta desse comportamento explosivo e impulsivo de Ne Zha, em alguns momentos fica a sensação de que muitos dos conflitos poderiam ser resolvidos com diálogo, o que leva a um desfecho um pouco apelativo. Porém, por conta de toda essa emoção que ele traz, é fácil se apegar ao personagem, o que ajuda na hora de aceitar essas conclusões forçadas.
 

Visual deslumbrante com uma dublagem inconsistente

Uma das principais responsáveis pelo sucesso do filme é a própria qualidade da animação. Ne Zha 2 se destaca pelo design de personagens, que não segue um padrão e apresenta figuras únicas, com traços marcantes e personalidades refletidas no visual. As cenas de ação também são um show à parte, principalmente em batalhas que tem o céu ou a água como plano de fundo; a natureza no filme realmente é bem representada.
 

Por outro lado, a experiência perde força em um detalhe técnico: a variação no tom da dublagem. Em momentos de grande tensão, algumas falas soam infantis demais e, logo em seguida, voltam para uma interpretação mais adulta e séria. Essa oscilação causa estranhamento e passa a sensação de que a produção ainda não decidiu com clareza qual público deseja priorizar.

A maior bilheteria do ano vale a pena?

Com cenas capazes de arrancar tanto risos quanto lágrimas (até no público majoritariamente adulto da pré-estreia), Ne Zha 2 é uma experiência envolvente e um ótimo programa para a família. Para quem aguardava ansiosamente a sequência, a entrega é certeira: há uma evolução perceptível em relação ao primeiro filme. No Brasil, a sequência está sendo distribuída graças a uma parceria entre a Ei Nerd com o estúdio A2.

Difícil afirmar se o longa merece, de fato, a maior bilheteria de 2025, mas definitivamente é uma experiência completa e agradável, principalmente se você quer fugir do usual. A combinação de uma bela animação com a chance de saber mais sobre esse universo da mitologia e da filosofia taoísta, em uma história bem contada por bons personagens, vale o ingresso do cinema.