
11 dez Vazamento de dados sigilosos na justiça expõe crianças e adolescentes a riscos
Crianças e adolescentes ficaram expostos após informações sigilosas de processos de atos infracionais vazarem. Dados de dezenas de jovens, que deveriam estar completamente protegidos por lei, foram divulgados em sites como Escavador e JusBrasil.
O vazamento levou jovens ao desemprego, evasão escolar e constrangimento em situações sociais. A Defensoria Pública de São Paulo, o Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça negam envolvimento no caso, que segue em investigação. As informações são do g1.
A divulgação das informações de crianças e adolescentes é um caso inédito na Defensoria Pública de São Paulo. O problema foi revelado depois que técnicos de serviços de medidas socioeducativas, profissionais que acompanham os jovens na Liberdade Assistida e na Prestação de Serviços à Comunidade, perceberam que as crianças monitoradas por eles estavam sendo identificadas publicamente.
De acordo com o estado, um dos serviços jurídicos online mapeou mais de 40 nomes vazados em apenas uma região da capital paulista. Desde então, o Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ), já contabilizou mais de 50 casos confirmados. A estimativa real, segundo os órgãos responsáveis, é muito maior.
Além de nomes e idades, os atos infracionais atribuídos aos jovens também ficaram expostos em detalhes. Muitos relacionados a furtos e outros crimes contra o patrimônio, sofreram graves consequências incluindo perda de empregos, abandono do ano letivo e ameaças.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro: o artigo 247 proíbe qualquer divulgação, total ou parcial, de dados que identifiquem adolescentes envolvidos em atos infracionais, seja por publicação original ou republicação — argumento que contradiz a defesa apresentada por sites que afirmam apenas “republicar dados públicos”.
A pena é de multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. Quem exibe ou transmite imagem e dados de adolescentes incorrem na mesma pena.
TJ e CNJ negam falhas; origem do vazamento segue desconhecida
O Núcleo da Defensoria notificou o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas, até agora, nenhum órgão identificou a origem do vazamento ou apresentou medidas concretas para solucioná-lo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou, por meio de nota, que foram instaurados expedientes administrativos na Presidência, com análise conduzida pelo Setor de Tecnologia da Informação, diante da notícia de eventual exposição indevida de dados de adolescentes vinculados a processos da Infância e Juventude.
“As análises realizadas pela área de TI confirmaram que não houve vazamento de dados, falha no sistema informatizado ou irregularidade nas publicações. Os levantamentos indicam que as informações mencionadas estão sendo obtidas por meios externos, alheios à atuação do TJSP e de seus agentes, sem qualquer falha na guarda dos dados pelo Tribunal”, diz.
As conclusões obtidas até o momento foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Defensoria Pública, para as providências que entenderem cabíveis. O TJSP esclarece que não pode agir de ofício para determinar a retirada de conteúdos eventualmente publicados por terceiros, sendo necessária a provocação judicial por parte dos órgãos ou interessados legitimados.
Já o CNJ afirmou que a Corregedoria Nacional de Justiça pediu esclarecimentos ao TJ.
“O TJSP informou que, após auditoria interna, não foram encontradas falhas, erros de procedimento ou disponibilização indevida de dados por parte do Tribunal. A corte esclareceu ainda que a própria Defensoria havia identificado apenas dois casos desses vazamentos, os quais foram verificados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Sobre isso, o TJSP levanta a hipótese de que a coleta indevida de informações sobre esses dois casos tenha ocorrido por pessoas com acesso legítimo ao processo, que utilizaram os dados para fins ilegítimos. O presidente do TJSP sugeriu que apenas uma investigação mais aprofundada, possivelmente de caráter policial, poderá identificar a origem dos vazamentos”, diz.
A defensora discordou sobre o número de casos que foram apresentados pelo órgão ao TJ e CNJ.
“O CNJ arquivou dizendo que eram poucos casos, mas já mapeamos dezenas, e sabemos que o universo é muito maior. É indispensável uma investigação mais profunda sobre como esses dados sigilosos estão sendo extraídos e repassados.”
Possíveis fontes do vazamento
Segundo a Defensoria, três caminhos têm sido identificados como potenciais pontos de fragilidade. O primeiro inclui publicações judiciais que não foram anonimizadas, inclusive em varas criminais, onde adolescentes são citados nominalmente.
A segunda causa pode ter a ver com casos com atuação de advogados, que acabam indo para o Diário de Justiça Eletrônico sem o devido cuidado com o sigilo.
Além disso, a Defensoria ainda acredita que o vazamento possa ser proveniente da publicação indevida de atos processuais que jamais poderiam ser divulgados, como os do juízo corregedor — o tipo de processo que possui o maior nível de sigilo.
Escavador e JusBrasil indicam para órgãos de justiça
A Defensoria tem solicitado a remoção de páginas individualmente, e alguns portais atendem aos pedidos — mas de forma irregular. Mesmo nomes cuja retirada já foi confirmada continuam aparecendo em buscas recentes.
O Escavador afirmou que os dados vazados vêm das bases oficiais do Poder Judiciário, incluindo a plataforma Jus.br do CNJ. O que eles dizem é que apenas indexam informações que já estavam publicamente acessíveis nesses sistemas oficiais. A questão que eles levantam é: por que esses processos que deveriam ser sigilosos estavam classificados como públicos na origem?
O JusBrasil adota uma postura parecida ao dizer organiza “dados públicos extraídos de fontes oficiais do sistema de justiça”. Também afirma que já desidentificou proativamente mais de 15 milhões de processos.
Essa “batata-quente” da responsabilidade sobre o vazamento é o que ainda mantém o caso em aberto.
Jovens com histórico de vulnerabilidade são mais visados
A Our Rescue, organização sem fins lucrativos que luta contra o tráfico e a exploração sexual de crianças, explica que predadores infantis procuram sinais específicos de vulnerabilidade em suas vítimas.
Os perfis mais suscetíveis a sextorção são adolescentes que lidam com conflitos familiares, aqueles que questionam sua orientação sexual, jovens com histórico de abuso sexual ou abuso infantil e adolescentes que apresentam padrões de atividades arriscadas. O termo se refere a atividades de cunho sexual praticadas após chantagem ou equivalente.
A organização explica que os predadores entendem que suas vítimas são crianças que muitas vezes vêm de situações em que buscam conexão emocional e validação que não recebem em outros lugares.
O TecMundo já abordou questões como essa, no Realidade Violada 3, por exemplo. O terceiro episódio da série que explica o cibercrime no Brasil, fala sobre como funciona o combate a predadores sexuais na internet e no mundo físico, incluindo relatos de policiais atuam na área.
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